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Por que ainda caímos na armadilha das metas de Ano Novo?

Todo fim de ano, repetimos o mesmo ritual: planejamos, sonhamos alto e acreditamos que, com a virada do calendário, nos tornaremos versões completamente renovadas de nós mesmos. No entanto, é justamente por isso que tantas pessoas acabam afundadas em frustração ou culpa quando percebem que não cumpriram aquilo que haviam traçado meses antes. E, ao refletir sobre esse fenômeno, fica cada vez mais claro que não se trata de falta de força de vontade, mas de expectativas irreais alimentadas por um imaginário coletivo.

Antes de tudo, é comum superestimarmos o que conseguiremos realizar no futuro. Esse comportamento, chamado de viés de otimismo, nos faz acreditar que mudanças de hábito serão simples, ignorando que a vida real impõe imprevistos constantes, como estresse no trabalho ou problemas de saúde. 

Além disso, a cultura do “ano novo, vida nova” funciona quase como uma promessa mágica de transformação instantânea. Assim, quando não atingimos nossas metas, a culpa surge de forma quase automática, pois ligamos nosso valor pessoal ao sucesso desses objetivos. No fundo, enfrentamos uma dura dissonância entre o que imaginamos e o que realmente acontece.

E essa autossabotagem emocional não para por aí. Aliás, a cobrança excessiva por resultados cria um peso crescente, que afeta diretamente a saúde mental. Na autoestima, por exemplo, não cumprir uma meta pode gerar a sensação imediata de fracasso, como se nossas conquistas definissem quem somos. Dessa forma, ignoramos avanços pequenos, porém importantes, que acontecem no dia a dia. 

Paralelamente, o senso de realização também é comprometido, já que ficamos obcecados com o que não funcionou. Com o tempo, isso se transforma em ansiedade, estresse ou mesmo depressão leve, reforçando a conhecida síndrome do impostor. Desse modo, entramos em um ciclo vicioso: quanto mais nos cobramos, menos energia nos resta para cuidar de nós mesmos.

Embora esse quadro pareça inevitável, é totalmente possível ressignificar metas não alcançadas. Para isso, o primeiro passo é mudar a forma como interpretamos esses resultados. Em vez de vestir o rótulo do fracasso, podemos encarar cada tentativa como uma oportunidade de aprendizado. Além disso, é útil fazer perguntas como “o que funcionou?” ou “o que posso ajustar?”. 

Se a intenção era ler 20 livros e apenas cinco foram concluídos, isso ainda representa progresso, pois cada leitura trouxe novas ideias. Simultaneamente, praticar autocompaixão é essencial. Quando nos tratamos com a mesma gentileza que ofereceríamos a um amigo, quebramos o ciclo de desmotivação e passamos a enxergar metas como experimentos, não como evidências de caráter. Assim, o planejamento para o próximo ano se torna mais leve e realista.

Por outro lado, planejar melhor o ano seguinte exige mais do que simples ajustes. É necessário adotar uma perspectiva de flexibilidade. Em vez de definir metas rígidas e grandiosas, é mais saudável estabelecermos processos, como reservar uma hora por semana para cuidar de algo importante. Do mesmo modo, incluir margens para o inesperado — cerca de 20% ou 30% do tempo ou energia — ajuda a reduzir frustrações quando imprevistos inevitáveis surgem. 

Priorizar poucas metas verdadeiramente alinhadas aos nossos valores e criar planos alternativos também contribui para um cotidiano mais equilibrado. Com essa “flexibilidade intencional”, conseguimos navegar melhor pelo caos da vida, sentindo-nos mais satisfeitos mesmo quando o ano não sai exatamente como imaginado.

Por fim, transformar o fim de ano em um momento de reflexão genuína, e não de autopunição, é um gesto que pode mudar completamente nossa relação com o futuro. Para isso, podemos adotar rituais simples, como listar conquistas e aprendizados, praticar gratidão pelo processo e evitar comparações em redes sociais. 

Dessa forma, deixamos de lado o arrependimento e abrimos espaço para um recomeço mais consciente. Assim, entramos em 2026 com mais leveza, clareza e propósito. Talvez o verdadeiro desafio não seja cumprir metas, mas aprender a conviver com a imprevisibilidade da vida e com nossa própria humanidade.
 


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