Quando o incentivo vira peso: como apoiar sem adoecer
Você já disse, ou ouviu, frases como “Guardo meus boletins com notas 10 até hoje”, “Na sua idade, eu era o melhor da sala”, “Não merece ir ao aniversário porque tirou apenas nota 7,0”, “Tem que se sair bem nas provas porque é a única coisa que você faz na vida” ou “O mundo é para os espertos, filho. Só tem águia lá fora”? Os pais querem o melhor para os filhos, querem independência e oportunidades. O problema começa quando o incentivo passa a ser cobrança constante. Nesse ponto, surgem insegurança, ansiedade e sofrimento, com marcas que podem se estender até a vida adulta.
Muitos de nós projetamos expectativas. Idealizamos a criança que realizará nossos sonhos não vividos, que será atleta, aluno exemplar, músico, líder; ou não, apenas queremos o seu sucesso mesmo. O risco é esquecer que ela não é uma extensão dos nossos desejos. Sob comparações, críticas sutis e exigências crescentes, forma-se um adulto com sensação permanente de insuficiência, alguém que passa a medir o próprio valor pelo desempenho e que se fragiliza diante do erro.
Os dados recentes são claros. Estimativas internacionais indicam que um em cada sete adolescentes convive com transtornos mentais como depressão ou ansiedade. No Brasil, quase um em cada seis jovens de 10 a 19 anos enfrenta sofrimento psíquico, segundo o UNICEF. O PISA 2022 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) mostra que alunos que se sentem acolhidos têm maior pertencimento, mais satisfação com a vida e menos ansiedade, enquanto em ambientes excessivamente competitivos ele reduzem engajamento e bem-estar.
Disso decorre uma relação direta. Desempenho acadêmico e saúde emocional não se separam. Um ambiente afetivamente seguro é o solo onde o aprendizado ganha raízes. Sem esse chão, o estudante pode até decorar conteúdos, mas terá dificuldade para lidar com erros, frustrações e desafios, competências essenciais da vida adulta.
A fronteira entre estimular e pressionar existe e pode ser descrita com clareza. Estimular é reconhecer potencial, valorizar o esforço e escutar emoções. Pressionar é impor metas constantes, frequentemente inalcançáveis, comparar com os outros e condicionar afeto ou prestígio ao resultado. Quando a criança entende que o amor depende de vitória, o fracasso deixa de ser experiência de crescimento e vira ameaça à própria identidade.
No dia a dia, apoiar sem adoecer significa trocar comparações por metas pessoais, elogiar processos e não apenas resultados, reservar tempo livre, inclusive o tédio criativo que recompõe a mente e favorece conexões, e fortalecer a autonomia por meio de escolhas reais, justificativas claras e escuta genuína do que a criança e o jovem sentem.
Muitos de nós fomos formados em um tempo em que a pressão era vista como o único caminho para o resultado. Hoje conhecemos melhor desenvolvimento humano, neurociência aplicada à educação, cognição e bem-estar. Cuidar dos filhos inclui revisitar a criança que fomos, significa reconhecer nossos gatilhos e aprender com eles, porque educamos nossos filhos em “outro mundo”, e a forma como aprendemos e fomos cobrados não trará o mesmo resultado.
Em O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido (e seus filhos ficarão gratos por você ler), a psicoterapeuta e escritora inglesa Philippa Perry não apresenta técnicas parentais tradicionais, mas um olhar relacional. Ela parte da ideia de que o que mais impacta o desenvolvimento de uma criança é a qualidade do vínculo. Apoiada em princípios da psicologia humanista, defende que “as crianças não precisam de pais sempre calmos, precisam de pais que reconheçam o que sentem, inclusive quando erram”.
Ela orienta que os pais reconheçam seus filhos como são e validem as emoções “vejo que você ficou frustrado” em vez de julgá-los (“não é para tanto”, “pare de drama”) ou compará-las (“fulano não está chorando”). Essa validação cria segurança emocional e previne comportamentos de rebeldia ou retraimento.
Um ambiente familiar que acolhe, reconhece o esforço e não exige perfeição cria adultos capazes de enfrentar o mundo com segurança, empatia e propósito. Ensinar um filho a voar não significa empurrá-lo antes do tempo, mas sustentá-lo até que tenha asas próprias. Assim como não se ensina alguém a rejeitar o uso de drogas fazendo com que as experimente, não se prepara um filho para o mundo tornando-o frio. Fortalece-se com afeto, valores e confiança para que ele saiba dizer “não” e possa viver de acordo com quem é. O sucesso que vale é o que respeita a singularidade, preserva a saúde mental e dá sentido ao viver, não apenas o que conquista medalhas.
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