Sex, 05 de Dezembro

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opinião

Relativização de padrões éticos na relação advogado-cliente

No exercício da advocacia, a ética não é um adorno ou mera formalidade. É o alicerce que sustenta a credibilidade da profissão e assegura que a confiança depositada pelo cliente não seja traída. Entretanto, tem-se observado, em determinados contextos, condutas que podemos chamar de relativização de padrões éticos na relação entre advogado e cliente – um fenômeno que, embora sutil, traz graves riscos à imagem da advocacia, a quem outorga sua confiança a profissionais que devem manter estritas condutas condignas com o múnus público que exercem por previsão legal, bem como ao próprio direito de defesa.


Essa relativização se manifesta quando profissionais passam a flexibilizar, em nome de interesses imediatos, princípios éticos elementares: não cobrança do devido valor de consulta inicial - por ser ela já uma prestação de serviços intelectual e personalíssima, que força os demais pares a se nivelarem de igual forma para manter-se “contratáveis” -, ou a cobrança de honorários sem contrato formal. 

Entram ainda nesse terreno pantanoso promessas de resultados – vedadas ética e estatutariamente – que extrapolam a imprevisibilidade da atividade jurídica, bem como compartilhamento de informações sigilosas ou mesmo a utilização de expedientes processuais que beiram a má-fé. Muitas vezes, tais condutas são justificadas sob o pretexto de “atender melhor ao cliente”, mas, na prática, representam a corrosão silenciosa da integridade profissional.

O Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94) e o Código de Ética e Disciplina da OAB não deixam margens para interpretações dúbias: a advocacia deve ser exercida com independência, lealdade, dignidade e respeito à confiança do cliente. Quando um advogado relativiza tais padrões, não compromete apenas o seu nome, mas toda a classe profissional. Afinal, cada desvio ético fragiliza a percepção social de que a advocacia é atividade indispensável à Justiça.

As consequências de tais condutas não se limitam a uma advertência ou censura. O sistema disciplinar da Ordem prevê sanções que podem culminar na suspensão e até mesmo na exclusão dos quadros da OAB – medida que equivale à cassação da licença profissional. Trata-se da penalidade mais severa, aplicada em casos de faltas éticas graves, justamente porquê a confiança do cliente é a essência do mandato advocatício. Um advogado que rompe esse vínculo de forma dolosa, mercantiliza a profissão e transforma a relação cliente-profissional em terreno de exploração, é indigno de ostentar posição tão honrosa como a de um representante da Justiça e de quem deve ser o porta-voz dos que não são ouvidos.

Em tempos de intensas transformações sociais e tecnológicas, preservar padrões éticos não significa resistir ao novo, mas reafirmar valores perenes que garantem a credibilidade da advocacia e jamais devem cair em desuso ou esquecimento. O respeito ao cliente não está em ceder a atalhos questionáveis, mas em oferecer orientação técnica segura, transparente e responsável. 

Ademais, o advogado não deve ser um incitador de litígios vazios e desnecessários a um Judiciário já tão assoberbado de casos verdadeiramente críticos. A contrario sensu – e como plasmou-se expressamente no Código de Processo Civil de 2015 –, o verdadeiro advogado deve sempre buscar, antes de mais nada, a autocomposição entre as partes, principalmente em demandas que versam sobre mero caráter pecuniário ou direitos disponíveis e perfeitamente negociáveis. Afinal, a Justiça deve ser a ultima ratio e está para julgar e decidir casos urgentes, complexos e que não possuem via de acordo possível – não para gerir caprichos ou validar vontades unilaterais de autotutela sob o manto de ações judiciais imorais e até  ilusórias.

Portanto, a advocacia deve permanecer vigilante contra as tentações da relativização ética. Se o advogado é indispensável à administração da Justiça, a ética é indispensável ao advogado. Sem ela, não há reputação que resista, nem licença profissional que se mantenha.


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