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RIO DE JANEIRO

Papa esteve três vezes no Rio, ainda como bispo, e deixou uma lembrança de simplicidade e simpatia

Quadra da Estação Primeira de Mangueira foi um dos locais visitados pelo religioso

A professora de idiomas Maíra Ferreira, de 32 anos, se lembra bem da última vinda do hoje Papa Leão XIV, em julho de 2013A professora de idiomas Maíra Ferreira, de 32 anos, se lembra bem da última vinda do hoje Papa Leão XIV, em julho de 2013 - Foto: arquivo pessoal

Quase 30 anos atrás, em 1997, o Papa João Paulo II pontificou, com bom humor, uma frase que se tornaria um dos marcos da visita ao Brasil: “Se Deus é brasileiro, o Papa é carioca”.

O novo Pontífice, Leão XIV, ainda não chega tão longe, mas gravou suas pegadas por aqui. Em três passagens pelo Rio de Janeiro, entre 2004 e 2013, o então bispo americano (naturalizado peruano) Robert Francis Prevost deixou na memória dos fiéis uma lembrança de simplicidade e simpatia.

Prevost, hoje com 69 anos, provavelmente conhece melhor do que boa parte dos cariocas a Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, no Engenho Novo, Zona Norte da cidade. Em todas as vindas ao Rio, ele passou pela igreja, administrada pela ordem agostiniana, da qual faz parte e que lidera há décadas.

A professora de idiomas Maíra Ferreira, de 32 anos, se lembra bem da última vinda do religioso, em julho de 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude. O futuro Papa — quem imaginaria isso àquela época? — esteve na cidade à frente da comitiva peruana.


A JMJ foi a primeira viagem internacional do Papa Francisco, eleito em março daquele ano. Voluntária no encontro, Maíra serviu de intérprete para fiéis e clérigos de diversas nações.

— Na época, era uma das poucas pessoas da Igreja que falava inglês, espanhol e outras línguas, então me colocaram nessa função. Ele era muito simpático, muito alegre, e lembro da felicidade dele em estar aqui e ver uma comunidade dedicada a Santo Agostinho tão forte — lembra Maíra, acrescentando: — Que ele siga na linha de Francisco, e faça uma Igreja cada vez mais acolhedora.

Frei Álefe Lucas Vieira, de 32 anos, é o atual titular da paróquia. A conexão entre ele e Leão XIV vai além das idas à Nossa Senhora da Consolação e Correia. Foi o bispo Prevost quem celebrou sua missa de consagração pela ordem agostiniana, em 2017, no Peru — esse é o momento em que os votos do religioso são firmados.

— Estive com ele e sei da sua capacidade, tanto que a eleição não me surpreende. Como agostiniano, ele preserva um coração inquieto, com desejo de servir a Cristo e aos semelhantes. Além de traços marcantes, como a interioridade e intelectualidade, por mais que suas falas possam parecer mais duras que a do seu antecessor — analisa frei Álefe.

A memória do sorriso
Há duas décadas cuidando da sacristia da paróquia, Jacira Pimenta, de 58 anos, esteve com Leão XIV em 2012 e 2013 e ficou marcada por um traço simpático de sua feição: o sorriso.

— Ele foi muito simpático e acolhedor com todos. Não esqueci o sorriso dele, e logo que vi na TV (após o conclave) me despertou a lembrança. Tenho certeza de que ele vai fazer uma Igreja de caridade — diz a sacristã, que prevê outras características da nova liderança: — É um desafio trabalhar com os agostinianos. São exigentes, preocupados com a formação dos jovens e com a liturgia.

Em 2004 e 2012, o bispo Prevost veio a dois compromissos de renovação pastoral na cidade, como líder dos agostinianos. Durante a primeira visita ao Rio, ficou hospedado na casa paroquial da Nossa Senhora da Consolação e Correia. Naquela ocasião, quem fez as vezes de guia turístico foi o frei Dionísio do Carmo, de 59 anos.

O religioso conta que, depois de uma assembleia agostiniana em Belo Horizonte, o americano manifestou a vontade de conhecer a Cidade Maravilhosa e o trabalho desenvolvido pela ordem na capital fluminense.

— Como um bom mineiro que vivia no Rio, o levei a todos os lugares que costumava mostrar aos meus parentes. Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Floresta da Tijuca, onde ele ficou maravilhado, Copacabana e também São Conrado. Mas ele foi além e quis conhecer as comunidades em que tínhamos capelas, nos morros do Encontro, São João, Macacos (todos em Vila Isabel e no Grajaú), sempre atento à realidade social contrastante — pontua o sacerdote.

‘Escuta mais do que fala’
Dos dias compartilhados com Prevost, o frei pôde tirar um pouco de seu jeito, que além da inteligência, é alguém atento e objetivo.

— É um homem que escuta mais do que fala, mas quando fala sabe aonde quer chegar — define.

Naquele ano, o bispo Prevost visitou o Armazém de Ideias e Ações Comunitárias (Aiacom), uma escola localizada ao lado da paróquia e mantida pelos agostinianos. Ali, todos os alunos são bolsistas.

Prevost no Rio durante a JMJ, com jovens estrangeiros  Foto: arquivo pessoalPrevost no Rio durante a JMJ, com jovens estrangeiros — Foto: arquivo pessoal

Cleidy Nicodemos, de 51 anos, 26 deles dedicados à instituição, é diretora da escola e também guarda as melhores impressões do Santo Padre:

— Ele é uma pessoa muito simples, coração aberto e escuta atenta sobre as coisas do nosso dia a dia. Queria saber dos valores agostinianos que nos inspiram e dos desafios enfrentados na missão de levar a educação para as crianças.

Tanto na casa paroquial quanto nos corredores do colégio, o clima foi de comemoração pela escolha de um Papa tão “próximo” da realidade daquele lugar.

— Comemoramos demais. Agora podemos dizer que trabalhamos na escola do Papa — brinca Cleidy. — Ele foi ao Cristo, mas não esqueceu dos mais pobres, do olhar social. Isso partiu dele.

Não há notícia de que o hoje Papa Leão XIV tenha provado as delícias da culinária carioca — já ficou conhecida nas redes sociais a foto do agostiano se servindo de frango com quiabo numa panela; apesar de ser um prato típico de Minas Gerais, onde Prevost também esteve em 2004 e 2012, a imagem foi feita no Peru. Mas o novo Pontífice viu de perto outro patrimônio do Rio: a quadra da Mangueira.

— Numa das saídas pelas comunidades, passamos pela quadra. Já que estava aberta, resolvemos entrar. Mas não tinha samba. Ele é muito interessado na realidade das comunidades — resume frei Dionísio do Carmo.

 

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