Sáb, 27 de Dezembro

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Rio de Janeiro

Parentes dos mortos no Alemão e na Penha questionam ação policial e condução de investigação

Megaoperação, que já soma 121 vítimas fatais, foi realizada na última terça-feira nos dois complexos. Conflitos armados ainda deixaram feridos, incluindo policiais

Moradores relatam que pessoas teriam tentado se render, mas foram mortas mesmo assimMoradores relatam que pessoas teriam tentado se render, mas foram mortas mesmo assim - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Na porta do Instituto Médico-Legal (IML), no Centro do Rio, nesta quinta-feira, parentes de mortos e entidades de direitos humanos questionam a forma como as ações foram conduzidas e pedem transparência na investigação dos casos.

A megaoperação realizada na última terça-feira nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte, deixaram 121 mortos e mais de 10 feridos e somam 113 presos e 10 adolescentes apreendidos.

Moradores relatam que pessoas teriam tentado se render, mas foram mortas mesmo assim. No dia seguinte à ação, dezenas de corpos foram encontrados e retirados da área de mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, e reunidos na Praça São Lucas, na Penha.

— Meu marido me ligou, falou que queria se render, mas que os policiais estavam irredutíveis — contou uma moradora do Complexo do Alemão. Segundo ela, o corpo do marido, estirado na praça junto a outros, estava em posição de rendição, com as mãos abertas e expressão de susto.

Entre os principais questionamentos das famílias estão a ausência de perícia adequada nos locais das mortes e a falta de transparência quanto a corpos que teriam sido esfaqueados, como mostram alguns vídeos.

Parentes afirmam que há corpos com sinais de facadas e mutilações, o que ainda não foi confirmado oficialmente pelas autoridades. Ainda sobre a operação, parentes alegam que nem todos os policiais estavam com as câmeras corporais ligadas.

Além da violência, moradores denunciam a demora na retirada dos corpos e a falta de assistência do poder público.

— Ficamos horas esperando o IML, sem água, sem ajuda. Nenhum bombeiro, ninguém veio socorrer — relatou uma mulher, parente de uma das vítimas.

Sobre os questionamentos das famílias, a Polícia Civil respondeu, em nota, que "tudo será apurado no decorrer das investigações, que estão em andamento".

Mais corpos ainda não teriam sido recuperados. Mães e viúvas acusam falta de apoio nas buscas e contam que somente os moradores estariam varrendo a mata em busca de parentes.

Outro ponto levantado é o impacto material nas comunidades atingidas. Casas destruídas, medo constante e a ausência de apoio psicológico agravam o cenário de desespero.

— Quem vai pagar pelas casas destruídas, cheias de marcas de tiro e paredes quebradas? — questionou a tia de um homem morto durante a operação.

Para o governo estadual, a megaoperação foi considerada um sucesso. Segundo as autoridades, foram apreendidos 118 armas apreendidas — sendo 91 fuzis, 26 pistolas e um revólver e 14 artefatos explosivos. Cento e treze pessoas foram presas — 33 delas de outros estados — e foi feita a apreensão de 10 adolescentes. A ação, que mobilizou 2,5 mil policiais e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), tinha como objetivo cumprir mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho, incluindo 30 criminosos de fora do Rio que estavam escondidos nas comunidades.

Rede RAAVE atua em acolhimento a famílias
Desde o início da manhã desta quinta-feira, equipes da Rede de Atenção a Pessoas Atingidas pela Violência de Estado (RAAVE) têm prestado apoio jurídico e psicológico a familiares das vítimas em locais como o IML, o Hospital Estadual Getúlio Vargas e comunidades atingidas na Penha e no Complexo do Alemão.

A representante da RAAVE, Lorena Martins, explicou que a rede foi criada por mães de vítimas da violência de Estado, e hoje atua em parceria com o Ministério da Justiça, via UFRJ, oferecendo bolsas para mães pesquisadoras e apoio clínico e jurídico.

— A nossa função enquanto RAAVE é acolher familiares e mães de vítimas. Diante do que aconteceu no dia 28, a gente não podia se ausentar desses espaços, como o IML, onde todas as famílias precisam passar em algum momento — disse Lorena.

=Ela contou que a rede montou uma força-tarefa com psicólogos e juristas para orientar as famílias sobre procedimentos legais e ajudar a localizar pessoas desaparecidas.

— Muitas mães chegam sem saber se o filho está preso, morto ou desaparecido. A gente conseguiu, junto com a Defensoria Pública, uma lista de presos da operação para orientar essas famílias — relatou.

A equipe jurídica da RAAVE não atua como defesa particular, mas oferece orientação e encaminhamento para a Defensoria Pública, fortalecendo o serviço público de assistência.

Quem são os mortos e presos? Entenda o que se sabe até agora sobre a operação mais letal do Rio

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