Dom, 07 de Dezembro

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Diplomacia

Premier de extrema direita da Itália recebe Lula após Itamaraty dizer que encontro não ocorreria

Informação inicial era que bilateral não ocorreria por divergências na agenda, mas reunião acabou confirmada na terça

Primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva Primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva  - Foto: Andreas Solaro/AFP

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido nesta quarta-feira por Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana, um dos vários compromissos durante sua visita à Itália. O Itamaraty havia chegado a informar que a reunião com a chefe de governo, política de extrema direita que lidera uma coalizão tripartite conservadora, não ocorreria por divergências de agenda, mas o encontro foi confirmado na terça.

Lula foi recebido por Meloni no Palácio Chigi, a sede do governo italiano, pouco após sua reunião com o Papa Francisco, com quem afirmou ter tido uma "boa conversa sobre a paz" — outros temas abordados, segundo o Vaticano, englobaram o respeito aos povos indígenas, o meio ambiente e o combate às desigualdades. Ainda não há detalhes sobre o que o petista e a premier conversaram, mas o encontro durou cerca de uma hora.

Na segunda-feira, durante entrevista coletiva sobre a viagem de Lula, a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, havia afirmado que um encontro com a primeira-ministra havia sido "considerado, mas por um problema de agenda, não foi confirmado". A ausência havia chamado a atenção em meio aos outros compromissos do presidente na Itália.

Antes de se reunir com Papa — encontro que o Itamaraty descreveu como uma "reunião de velhos amigos" —, Lula almoçou com o presidente Sergio Mattarella, chefe de Estado do país. Lula reuniu-se também com a secretária-geral do Partido Democrático (PD), Elly Schlein, e com o ex-premier Massimo D'Alema, seu primeiro compromisso desta quarta.

A agenda desta quarta terminou com uma reunião com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri — a conversa será de natureza mais pessoal, pois o político foi uma das autoridades que visitou o atual presidente quando estava preso em Curitiba. Entre todos os interlocutores, contudo, apenas Meloni foge do centro ou da esquerda do espectro ideológico.

Segundo fontes, o presidente foi aconselhado por auxiliares a se encontrar com a líder italiana. Ao mesmo tempo, a assessoria do brasileiro trabalhou para que Meloni aceitasse a audiência.

A premier italiana, que chegou ao poder em outubro do ano passado, não enviou nenhum representante de alto escalão para a posse de Lula em janeiro, sendo um dos poucos países europeus a abrir mão da representação. Na época, a ausência de uma delegação foi criticada por parlamentares do PD, que chamaram a visão de Meloni de "míope" e "limitada".

A premier também fez críticas à decisão do Partido dos Trabalhadores de não extraditar Cesare Battisti durante os primeiros mandatos de Lula e os anos da ex-presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Indagado sobre a falta de delegação na posse e os comentários de Meloni sobre Battisti, Lula disse que espera o encontro para poder "conhecê-la melhor".

— Espero conhece-la melhor hoje e que os encontros que faremos reforcem a relação entre nossos países, que sempre foi tão forte. Somos o segundo país com mais italianos e descendentes do mundo, atrás apenas da própria Itália. Temos 30 milhões de descendentes italianos no país. Eu tenho uma relação excelente com o movimento sindical daqui, com os intelectuais, as empresas — disse o petista, em entrevista ao jornal Corriere della Sera.

Lula, contudo, esquivou-se de responder sobre Battisti, assunto que causou várias dores de cabeça para o Itamaraty e a Justiça brasileira durante os primeiros anos do PT no poder. Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1987 por ter participado, no fim dos anos 1970, de quatro homicídios atribuídos ao grupo italiano de esquerda "Proletários Armados pelo Comunismo", considerado praticante de atos terroristas pelo governo da Itália.

Ele chegou a ficar dois anos preso na Itália, mas fugiu da cadeia em 1981, indo para a França antes de se mudar para o Brasil em 2007. O Supremo Tribunal Federal votou para extraditá-lo em 2009, mas também decidiu que o veredicto final caberia a Lula: no dia final do seu segundo mandato, o petista optou por assinar um parecer que manteria Battisti no Brasil.

O status de residente permanente foi revogado em 2018, pelo então presidente Michel Temer, e ele foi preso na Bolívia em janeiro de 2019.

Os compromissos de Lula na Itália começaram cedo, quando o petista foi recebido por D'Alema, com quem conversou sobre a conjuntura política do Brasil e da esquerda europeia e da social-democracia na Europa. Com Schlein, uma das líderes de oposição do Parlamento italiano, falou sobre as conjunturas políticas na Itália e no Brasil e sobre a necessidade de uma maior união entre legendas progressistas pelo mundo, de acordo com o governo brasileiro.

Na reunião que antecedeu o almoço com Mattarella, chefe de Estado, o presidente brasileiro conversou sobre "questões do mundo atual, mas também sobre assuntos culturais em comum". Os dois falaram ainda sobre questões comerciais, sobre a guerra da Ucrânia e as negociações para destravar o acordo entre Mercosul e União Europeia — o desatar do pacto, negociado há duas décadas, é uma das prioridades da política externa brasileira.

“Minha relação com a Itália é histórica, desde a época em que fui dirigente sindical. Hoje retorno ao país para fortalecermos as relações e parcerias entre as duas nações”, disse Lula no Twitter.

Lula embarcará para a França na quinta, onde cobrará dos países desenvolvidos um peso maior para as nações em desenvolvimento nas decisões internacionais. Seu compromisso maior será a Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global, que acontecerá nos dias 22 e 23 de junho, em Paris — lá, deve voltar a criticar a demora na reforma do sistema financeiro mundial e defender que os governos valorizem mais as políticas sociais.

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