Qual a melhor hora para treinar?
Folha de Pernambuco consultou especialistas em saúde, educação física e praticantes de exercícios com diferentes rotinas, em busca de explicar os benefícios que cada período do dia proporciona
“Está na hora de treinar.” A depender de quem lê, esse momento não tem lugar fixo no ponteiro do relógio. Para alguns, é logo cedo, com o sol nascendo. Outros preferem esperar o cair da tarde. Há ainda quem encerre o dia liberando endorfina antes de dormir.
Mas afinal: qual é o melhor horário? Para responder, a Folha de Pernambuco ouviu especialistas em saúde, educação física e praticantes de exercícios com diferentes rotinas, em busca de explicar os benefícios que cada período do dia proporciona. Em comum, um consenso simbólico: a melhor hora é sempre agora.
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Ritmo circadiano
“Cada um tem um horário ideal para treino. Isso é regulado muito por algo que chamamos cientificamente do ritmo circadiano. É o nosso relógio interno, que regula diversas funções do organismo como o sono, temperatura e questões hormonais. Temos rotinas estabelecidas ao longo da vida que influenciam nisso, com cada pessoa tendo um pico hormonal associado à maior energia e desempenho muscular. Esse seria o momento ideal para treinar”, afirmou Bruno Simões, coordenador científico de saúde e performance do Náutico e mestre em Treino de Alto Rendimento.
Pela manhã, os níveis de cortisol e insulina tendem a estar mais altos, principalmente ao acordar. Isso pode favorecer a mobilização de energia e uma boa resposta ao treino de força, desde que o corpo esteja bem alimentado e aquecido. Em compensação, é essencial ter dormido bem na noite anterior para não comprometer o rendimento com fadiga ou baixa concentração.
À tarde, a temperatura corporal e os níveis de adrenalina costumam estar mais elevados, o que pode melhorar o desempenho em atividades mais intensas como musculação com foco em hipertrofia. Já à noite, muitos praticantes relatam melhor coordenação motora e resistência física.
"Há quem tenha mais potência pela manhã, mas não consegue comparecer ao treino por conta de outras tarefas e termina abandonando. Mais do que descobrir o melhor horário, temos de tentar condicionar nosso corpo ao momento em que há possibilidade de treinar. Com isso, a questão hormonal e metabólica começa a se moldar", explicou Simões.
Perfis
O profissional de educação física Vitor Chaplin, da rede Hi Academia, explicou os perfis de alunos que normalmente treinam em cada período do dia.
"Pela manhã, eu noto que são pessoas que têm uma rotina mais estruturada, maior constância na prática das atividades antes das demandas do dia a dia. Os alunos que treinam à tarde buscam um horário mais tranquilo, no intervalo do trabalho. É um perfil mais jovem, que tem o privilégio de ter mais tempo. À noite, são os que não conseguem chegar mais cedo por conta de compromissos com trabalho ou questões logísticas", apontou, indicando também como busca adaptar os tipos de exercício para cada público.
"Podemos priorizar pela manhã os aquecimentos junto a treinos mais técnicos ou de resistência. É interessante começar o dia com uma alimentação mais leve, evitar o exercício em jejum sem orientação profissional, além de manter a hidratação diária. À noite, muitos rendem melhor aos treinos de força, mas evito desgastar demais o praticante. Sempre ressalto que o fator principal é a individualidade: se o aluno só pode treinar em um horário específico, eu ajusto o planejamento para que ele evolua com segurança", completou.
Maria Julia Lyra, doutora em Educação Física e tutora da Faculdade Pernambucana de Saúde, complementa citando que a preparação para a atividade começa antes mesmo do início do treino.
Maria Julia Lyra, doutora em Educação Física e tutora da Faculdade Pernambucana de Saúde“É preciso criar uma rotina no dia anterior, organizar tudo que você vai precisar para fazer a atividade. É bom evitar consumo de um grande volume de alimentos, se for pela manhã. À noite, é importante tomar cuidado com bebidas e suplementos estimulantes, como cafeína, que podem atrapalhar posteriormente a noite de sono”.
Coração
A coordenadora do Departamento da Cardiologia Clínica e Intervencionista e Cirurgia Cardíaca do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), Verônica Monteiro, citou os benefícios ao coração que atividades em diferentes ciclos do dia podem trazer.
“Pela manhã, o corpo experimenta algumas descargas hormonais e de cortisol, que fazem aumentar a frequência cardíaca e, em alguns indivíduos, a pressão arterial. À tarde, existe maior tendência à dilatação dos vasos. O organismo já está mais adaptado e, por consequência, a frequência cardíaca e pressão arterial são menores. A prática em geral de exercícios físicos também pode oferecer vantagens no perfil metabólico. Eles melhoram principalmente os níveis de glicose no sangue. Isso acontece principalmente nos pacientes com diabetes ou resistência insulínica".
A cardiologista, contudo, alertou para a preocupação com treinos intensos à noite devido à exposição à luz e possível impacto no ritmo circadiano.
"Exercícios de alta intensidade devem ser feitos até o fim da tarde ou pelo menos três horas antes de dormir. Agora, se o seu exercício for uma caminhada, uma hidroginástica ou um pilates, não há preocupação. Já para cardiopatas não compensados, pedimos para evitar as primeiras duas horas após acordar por conta dos efeitos do cortisol e catecolaminas. O ideal é sempre consultar seu cardiologista, fazer o teste de esforço e estudar sua tolerância ao exercício, vendo a resposta do seu coração", frisou.
Gerson Castello é adepto aos treinos noturnosToda hora é hora
O arquiteto Gerson Castello, de 64 anos, é adepto dos treinos noturnos. “O desempenho é fora do comum. Você já chega com o sangue quente, tirando todo o estresse. Tenho muito trabalho e acordo cedo para visitar obras. Estava ‘queimando’ o treinamento pela manhã, mas agora passei a equilibrar. Eu gosto de treinar, não interessa o horário. Se eu pudesse, treinaria o dia todo. Mas não é vício, é uma obrigação com o meu corpo", completou.
Para a dona de casa Gilvanize Silva, 50, nada se compara aos treinos diurnos. “Eu me sinto mais disposta pela manhã, o dia flui melhor. Costumo treinar antes das 7h. Se eu for a partir das 8h, já acho tarde, me sinto cansada, vendo que não malhei direito. Sou do time dos idosos: quanto mais cedo, melhor. É preciso botar na cabeça que o exercício é como se fosse um remédio que você precisa tomar para notar a diferença depois. Eu não vivo sem academia", pontuou.
Nem todas as pessoas conseguem definir um horário fixo de treino. Para o casal Paulo Marcelino, 46, e Priscila Honorato, 35, a meta é encaixar as atividades em meio aos trabalhos. Ele é guarda municipal do Cabo de Santo Agostinho. Ela é enfermeira obstétrica. Ambos com escalas de plantões e rotina atípica. Mas nada impede a dupla em se adaptar para seguir movimentando o corpo.
“Tem dia que vou às 5h e em outros vou ao final da noite. Nunca consigo ir no mesmo horário, mas tento colocar o exercício como prioridade. Estar treinando é quando Priscila cuida de Priscila. É uma terapia para mim. É um cuidado que só você pode fazer por você mesma”.

