Sáb, 06 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
ENCONTRO

Trump arma para líder da África do Sul na Casa Branca e repete falsas alegações de genocídio branco

Líder americano exibiu vídeo no Salão Oval que, segundo ele, mostra ataques contra a minoria branca; Ramaphosa rejeitou alegações e foi irônico: 'não tenho um avião para lhe dar'

Presidente dos EUA, Donald TrumpPresidente dos EUA, Donald Trump - Foto: Mandel Ngan / AFP

No que parece ter se tornado uma nova rotina da Casa Branca, o presidente dos EUA, Donald Trump, se envolveu em uma áspera discussão, pontuada por acusações sem comprovação, com seu convidado no Salão Oval, o líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa.

Ali, ele repetiu, com a ajuda de um suposto vídeo, alegações de que há um “genocídio branco” no país, que nas últimas semanas motivaram até a suspensão de ajuda aos sul-africanos.

Semanas depois da altercação com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no mesmo Salão Oval, a expectativa era de que o encontro com Ramaphosa também não seria cordial, por causa do histórico recente entre os dois países — e foi exatamente o que aconteceu.

Trump começou dizendo que seu convidado “era considerado controverso”, e logo abordou a suposta violência direcionada à minoria branca na África do Sul, uma tese defendida por nacionalistas sul-africanos e amplificada pelo braço direito de Trump em seu segundo mandato, Elon Musk, que nasceu no país.

— Temos muitas pessoas muito preocupadas com a África do Sul, e esse é realmente o propósito da reunião, e veremos como isso vai acabar. Mas temos muitas pessoas que se sentem perseguidas — disse Trump, defendendo sua decisão de permitir a entrada de integrantes da minoria africâner, que comandava a África do Sul no período do apartheid, como refugiados nos Estados Unidos, além da suspensão da ajuda ao país.

Em mais um momento peculiar da administração Trump, ele mandou que as luzes fossem apagadas e que fosse exibido um vídeo que, segundo ele, comprovaria a perseguição direcionada aos brancos. Além das acusações, havia imagens do político de oposição Julius Malema cantando uma música apontada por alguns africâneres como um chamado para seu assassinato.

— Temos milhares de histórias falando sobre isso. Temos documentários, temos notícias — disse o presidente, enquanto os presentes no escritório do presidente dos Estados Unidos observavam atônitos o que se passava no local.

Ao final da exibição, Ramaphosa, um dos mais veteranos políticos do continente africano, parecia desconfortável, enquanto Trump descrevia como sendo cemitérios clandestinos e evidências de que “há muito ódio” no país. Em determinado momento, ele perguntou se o líder americano sabia onde as imagens tinham sido feitas. O republicano disse que não.

— Gostaria de saber onde fica isso, porque isso eu nunca vi — respondeu o sul-africano. — Temos uma democracia multipartidária na África do Sul que permite que as pessoas se expressem. Nossa política governamental é completamente contrária ao que o vídeo alega.

Embora correspondam a menos de 10% da população sul-africana, os brancos — em especial os africâneres, descendentes de colonos holandeses e de outras nações europeias que se fixaram na região no Século XVII — têm uma condição de vida melhor do que a do restante do país, e controlam a maioria das terras usadas na agricultura, uma herança dos tempos do apartheid.

Com a chegada de Trump ao poder, amparado pelo sul-africano Elon Musk, grupos radicais e não raro associados a visões supremacistas viram a chance de prosperar. Um deles é o chamado Afriforum, que se intitula um grupo de defesa dos direitos civis que está por trás da maior parte das denúncias sobre os supostos ataques raciais contra os brancos.

Seus líderes têm laços com Musk, e não raro encontram espaço em emissoras e canais do YouTube alinhados a Trump — ao definir o trabalho da organização, o South Poverty Law Center, que atua na defesa de populações vulneráveis no Sul dos EUA, os chamou de “supremacistas brancos vestidos com terno e gravata”.

O aceno aos radicais sul-africanos também ecoa dentro dos EUA: a política migratória do republicano, centrada em pessoas não brancas, foi chamada de “racista” pela Anistia Internacional, e é apoiada por grupos supremacistas. E a presença de elementos com um passado nacionalista branco no governo, como Stephen Miller, vice-chefe de Gabinete de Trump, corrobora esse aparente alinhamento.

Na Casa Branca, ao tentar rebater as alegações de Trump, Ramaphosa reconheceu que a África do Sul é um país violento, mas disse que “os mortos não são só os brancos”. Em fevereiro, a Justiça do país disse que as alegações de que havia um “genocídio branco” no país, presentes em um processo, eram “claramente imaginadas” e que “não eram reais”.

De acordo com números oficiais, 6.953 pessoas foram assassinadas entre outubro e dezembro de 2024. Dessas, 12 morreram em ataques em fazendas, sendo que apenas uma delas era dona da propriedade — as demais eram funcionários.

O presidente sul-africano ainda defendeu a lei que permite a desapropriação de determinadas propriedades , seguindo critérios do governo, e que também provocou a ira de Donald Trump e aliados, como Elon Musk.

— Nossa Constituição garante e protege a santidade da posse da terra, e essa Constituição protege todos os sul-africanos no que diz respeito à propriedade da terra — disse Ramaphosa. — Seu governo [EUA] também tem o direito de expropriar terras para uso público.

Em diversos momentos da altercação, Ramaphosa tentou colocar a conversa novamente nos trilhos, sugerindo que discussões mais ásperas fossem feitas longe das câmeras. E tentou fazer piada para quebrar o clima tenso.

— Me desculpe, não tenho um avião para te dar — disse, em referência a uma suposta oferta feita pelo governo do Catar para presentear os EUA com um jato de grande porte.

Veja também

Newsletter