Uma memória de cálculo para votar como missão civilizatória
No primeiro turno dessas eleições, senti-me como um eleitor que, modestamente, pregava no deserto. Isso porque fui vencido pela avalanche que confirmou uma inércia maniqueísta, absolutamente capaz de transformar em plebiscito o que deveria ser um pleito programático.
Assim, entendo que esse turno inicial funcionou como mero ensaio deste segundo, que se projeta para este domingo. No entanto, a diferença que resta no embate não está apenas no acirramento dos ânimos. Riscos maiores pairam no ar, pois a cautela nas reflexões me parece imperiosa. É preciso "calcular" bem as funções políticas em jogo, diante de um sistema complexo, que tem dado seus sinais para a sociedade.
Para expor minha tese sobre os riscos, nada melhor que considerar uma simples memória de cálculo. Precisamos atestar os limites que nos permitam tangenciar, ou até mesmo seccionar, a linha que nos leve de volta ao espaço civilizatório. Justo aquele ambiente posto em cima dos pilares que dão sustento à democracia.
A missão está no exercício de uma reflexão que seja capaz de tratar, sob as ameaças de riscos, quatro funções passíveis de derivações. Sigo com os pontos e as respectivas análises com suas derivadas.
1. A Distopia da Sociedade é uma Função com Derivadas
O estranho comportamento distópico da sociedade têm lá suas explicações e derivações. Posso facilmente encontrá-las em Freud, no livro "A Psicologia das Massas e Análise do Eu" (1921). Na essência da obra, foi chamada a atenção de como a perda da identidade do indivíduo pode ser capaz de levar ao desejo pela opressão, ao irracionalismo e ao conservadorismo. Em suma, com influência do pensamento de Gustave Le Bon (que em 1895 divulgou estudo sobre a mente popular na multidão), a tese freudiana corrobora nossa realidade. Que até indivíduos cultos, sob efeito de atuar em rebanho, podem desenvolver seus instintos mais bárbaros. Como a capacidade intelectual se vê anulada, atos de estupidez permitem as derivações mais inesperadas.
2. A Dissonância Cognitiva Como Primeira Derivada
Como defende o Professor João Rocha da UERJ, que tem-se revelado um estudioso das raízes dessa distopia, a nação brasileira está submetida à construção diária de dissonâncias cognitivas coletivas. Isso quer dizer do quanto a hipnose em rebanho, numa forma de dopamina virtual, que se apropriou de um virulento modelo de algoritimização, foi capaz de resgatar velhas ideias extremistas.
Essa função comportamental de um fanatismo cego, que sustenta a inércia de não rejeitar o candidato, mesmo nas suas contradições, é a primeira derivada da distopia.
3."O Nosso Capitólio Pode Estar Bem Perto" Como Segunda Derivada
Todos esses movimentos que promovem cognições tão dissonantes, são repetitivos. Parece se saber o que estar por acontecer. E o pior é que os fanáticos em ofício de barbárie, ignoram a realidade. O filme já foi visto no episódio do BREXIT, como nos processos eleitorais da Hungria, Turquia, Rússia, Polônia e até dos EUA.
No último caso, a conquista de Biden foi marcada pela ameaça ao regime político dito como o mais democrático. A invasão bárbara do Capitólio foi uma triste mácula para registro na História das Democracias.
Pelo que se tem visto no Brasil atual, nossos referenciais de uma repetição do Capitólio estão aí ao alcance. Bem ali, sob os riscos de uma autocracia fundamentalista, como se tem ensaiado.
4. "A Geração de Déspotas Ensadecidos" Como Terceira Derivada
Em tempos nos quais se esperava a figura humana como núcleo, a consagração da falta de empatia e humanismo passa a ser ato contínuo. As células que fazem os déspotas atuais perdem sua capacidade intelectual. Trocam aquela velha identidade de esclarecidos, ao assumirem suas condições de ensandecidos. Substituem as armas: passam das teses autoritárias para fuzis e granadas. Neste ponto, um fato recente frustrou o ensaio heróico ou messiânico. Aconteceu o que um amigo pensador e político me disse: a anti-facada.
A lição? Fica por conta da missão da nação reencontrar sua trajetória civilizatória.
*Economista e colunista da Folha de Pernambuco
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