Caso metanol é a mais nova disputa por protagonismo entre governos federal e de São Paulo
Criticado pela ausência na crise sanitária na segunda (29), Tarcísio marcou às pressas coletiva de imprensa em horário similar ao da PF
Estava tudo pronto para a chegada do governador. Crianças sentadas, outras correndo, policiamento na porta, assessores a postos para fotografar as autoridades. Mas, por volta das 9h20 desta terça-feira (30), dez minutos antes da previsão de chegada de Tarcísio de Freitas (Republicanos), todos foram avisado que o governador não iria mais à Escola Estadual Parque dos Sonhos, em Cubatão (SP), no litoral de SP, que seria anunciada como uma das vencedoras do Prêmio Melhor Escola do Mundo.
Em meio à frustração dos presentes, surgiu a explicação para o "cano": Tarcísio iria para uma reunião às pressas no Palácio dos Bandeirantes, na capital paulista, para tratar de um assunto que rendeu críticas na véspera: as investigações sobre intoxicação de 22 pessoas — incluindo cinco mortes — pela presença de metanol em bebidas alcoólicas adulteradas. Ausente do estado na segunda-feira (29) para visitar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em Brasília, o governador foi alvo de críticas sobre o "sumiço" em meio à crise.
"O que o povo de São Paulo espera? Investigação rápida sobre as mortes envolvendo bebida adulterada com metanol. O que ele faz? Viagem para Brasília para visitar golpista condenado", postou o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).
Leia também
• Ministério da Saúde vê "padrão inédito" nas intoxicações por metanol
• SP investiga 5 mortes e 15 casos de intoxicação com Metanol
• Tarcísio instala gabinete de crise para investigar metanol
No mesmo horário em que Tarcísio cancelava o compromisso em Cubatão, começava uma entrevista coletiva em Brasília, feita a pedido do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski — o que mostrava que o governo federal embarcava no assunto do metanol. Nela, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Augusto Passos Rodrigues, afirmou que o órgão investiga a ligação do crime organizado com a adulteração de bebidas alcoólica.
– Dentre as razões [da instauração do inquérito federal], está a possível conexão com investigações recentes que fizemos agora, especialmente no Paraná, que se conectou com outras duas em São Paulo em razão de [afetar] toda a cadeia de combustível. Parte disso passa pela importação de metanol pelo [porto de] Paranaguá [no Paraná]. Portanto, houve a necessidade de entrarmos nesse caso por essas razões. A investigação dirá se há conexão com o crime organizado — disse Andrei.
Após recalcular a rota, Tarcísio, na coletiva de imprensa marcada às pressas no Palácio dos Bandeirantes, tentou afastar a ligação entre o crime organizado — notadamente o PCC — e o caso do metanol, na contramão das declarações da Polícia Federal.
– Em São Paulo, tudo o que acontece é PCC. Tem-se especulado sobre a participação do crime organizado nessa adulteração de bebida. Só para deixar claro, não há evidência nenhuma de que haja crime organizado nisso. Os inquéritos que estão abertos e que estão chegando a pessoas que estão trabalhando com a adulteração nessas destilarias clandestinas mostram pessoas que não têm relação com o crime organizado e que não têm relação entre si – disse o governador.
Questionado acerca do inquérito federal sobre o metanol, Tarcísio evitou se estender sobre o assunto.
– A gente tem compartilhado informação. A gente já tem um pouco de estrada nisso, porque já vem investigando isso há algum tempo, vem desarticulando destilarias clandestinas. A gente já tem um conhecimento adquirido que vai ter como compartilhar com a Polícia Federal e eles, obviamente, vão poder ajudar também. Então, é o tipo da situação onde todo mundo tem que trabalhar em conjunto, visando aí o bem-estar da sociedade – disse Tarcísio.
Nos bastidores, segundo apurou o Globo, um dos discursos que já vêm sendo preparado por integrantes das gestões Tarcísio e do aliado Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo, é que cabe ao Ministério da Agricultura fiscalizar o envase de bebidas alcoólicas.
Disputa de protagonismo
Com o caso do metanol, Tarcísio e o governo federal protagonizaram, mais uma vez, uma nova disputa de protagonismo em casos de ampla repercussão. No fim de agosto, quando o Ministério Público de SP foi às ruas acompanhado das polícias Civil e Militar para deflagrar a Operação Carbono Oculto, com ações na Avenida Brigadeiro Faria Lima, a PF colocou em campo as operações Quasar e Tank. Novamente, a capital federal e São Paulo organizaram entrevistas coletivas quase simultâneas.
Atritos velados também ocorreram em obras ou projetos tocados em conjunto entre estado e União, como no caso do túnel entre Santos e Guarujá. Como mostrou o GLOBO, em junho, dois ofícios enviados pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (do mesmo partido de Tarcísio) e outro remetido por Anderson Pomini (presidente da Autoridade Portuária de Santos) expuseram que as autoridades federais se sentiram surpreendidas por decisões vistas como unilaterais do governo paulista. Termos como "atropelo" e "ausência de comunicação prévia" deram o tom dos documentos. Como resposta, a gestão estadual disse não existir entreveros e o leilão acabou ocorrendo.
Antes e depois disso, foi a vez do governo estadual reclamar da postura federal na condução da parceria para a remoção de 900 famílias da Favela do Moinho, na região da Cracolândia, no centro. Segundo as queixas estatais, as burocracias da Caixa Econômica Federal têm impedido a concessão dos créditos, o que o banco nega.
Há duas semanas, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, negou ajuda da Polícia Federal para auxiliar na investigação do assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes, morto em uma emboscada em Praia Grande (SP).
– Agradecemos o apoio da Polícia Federal, porém, no momento, todo o aparato do Estado é 100% capaz de dar a pronta resposta necessária. Tanto é que em pouquíssimas horas o primeiro suspeito já foi identificado – afirmou Derrite, no dia seguinte ao crime.

