Defesas dos réus atacam delação de Cid no julgamento da trama golpista, mas poupam STF
Advogados minimizam documentos usados pela PGR e miram acordo de ex-ajudante de ordem em primeiras argumentações do julgamento
As defesas de quatro dos oito réus apresentaram suas sustentações orais e lançaram mão de diferentes estratégias para rebater as acusações.
Os advogados do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos se concentraram em rebater provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e, no caso do militar, questionar a legalidade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, mas evitaram fazer ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como o relator, Alexandre de Moraes.
Já a defesa de Mauro Cid pregou a manutenção de seus benefícios.
O advogado de Garnier, Demóstenes Torres, levantou dúvidas sobre a validade do acordo do Cid e questionou a proposta da PGR de reduzir o benefício de Cid, mas sem rescindir o acordo.
— A proposta do procurador-geral da República é injurídica, ela não existe. E carreará inúmeros problemas ao STF. Nós não estamos pedindo aqui a nulidade da delação. Nós estamos pedindo a rescisão da delação — disse o defensor.
Leia também
• Conheça os possíveis desfechos do julgamento de Bolsonaro e demais réus
• Michelle tem agendas no PL e deve passar segundo dia do julgamento longe de Bolsonaro
• Bolsonaro vê julgamento de casa, e condomínio tem oração, briga e "pixuleco"
Cid afirmou em delação premiada que Garnier era da "ala radical" do entorno de Bolsonaro e que o almirante era favorável a uma intervenção militar. Segundo o delator, o então comandante afirmava que a Marinha estava pronta para agir e aguardava apenas a ordem do então presidente e condicionava a ação de intervenção militar à adesão do Exército, "pois não tinha capacidade sozinho".
O ex-auxiliar de Bolsonaro relatou ainda ter sido avisado pelo ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes de que Garnier teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro.
Demóstenes afirmou que a reunião em que Garnier teria, segundo a acusação, colocado as tropas à disposição de Bolsonaro não aconteceu no dia 7 de dezembro de 2022, como foi apontado pela PGR na denúncia:
— Não existiu essa reunião. Foi afirmado que era dia 7 e isso não existiu. Essa é a acusação principal.
Orientações sobre urnas
Já o defensor de Alexandre Ramagem, Paulo Cintra, rebateu a alegação da PGR de que ele teria orientado Bolsonaro em seus ataques às urnas eletrônicas.
— Alexandre Ramagem não atuou para orientar o presidente da República, ele não era um ensaísta do presidente. Ele compilava ali (em documentos) pensamentos do presidente. É muito grave dizer que Alexandre Ramagem seria ensaísta de Jair Bolsonaro. Não era. Quando muito ele era o grande compilador oficial da República. O que tinha naqueles documentos eram compilados de declarações públicas reiteradas — argumentou.
A investigação encontrou uma série de documentos de autoria de Ramagem com supostas orientações e argumentos para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Um deles continha argumentos que a PGR afirma serem orientações para o então presidente com alegações falsas contra as urnas. Esse arquivo foi enviado por celular a um contato identificado como JB 01, que a PF afirma ser Bolsonaro.
O advogado de Anderson Torres, Eumar Novacki, minimizou a importância do documento encontrado na casa do ex-ministro e que previa a decretação de um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral". De acordo com ele, foi dado um "peso descomunal" ao documento, que "não fazia qualquer sentido".
— Essa minuta, a qual foi dado um peso descomunal de prova, não tem valor algum. Era uma minuta apócrifa, que não fazia qualquer sentido. Uma minuta que nunca circulou e que nunca foi discutida.
O julgamento será retomado hoje com os argumentos dos demais réus, na seguinte ordem: o ex-ministro Augusto Heleno, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e os ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Defensores de Cid negam coação e buscam manter acordo
A defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, usou o tempo de sustentação oral no julgamento para argumentar que o acordo de delação premiada do réu tem validade. Outra estratégia foi negar ainda que tenha havido coação da Polícia Federal e do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Os representantes de Bolsonaro e do general Braga Netto no processo têm mirado, entre outros pontos, em uma suposta coação para contestar a delação.
— Eu posso não concordar com o relatório, com o indiciamento do delegado e, de fato, não concordo. Agora, nem por isso eu posso dizer que ele coagiu o meu cliente ou que ele cometeu uma ilegalidade. Não posso dizer que ele e o ministro Alexandre de Moraes me coagiram, porque não seria verdade — afirmou Jair Alves Pereira, um dos advogados do tenente-coronel.
A defesa de Bolsonaro alega que as declarações de Cid, desde o princípio, "não resultam de ato voluntário e nem estiveram pautadas na verdade". Já os advogados de Braga Netto afirmaram que a delação contém uma série de “vícios”, como a falta de “voluntariedade do delator” e a “coação” por parte da Polícia Federal.
Já os defensores de Cid afirmam que ele não tinha conhecimento do Plano Punhal Verde e Amarelo, que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e de Moraes em 2022, após a derrota de Bolsonaro na eleição.
— O que há efetivamente nos autos? Que Mauro Cid jamais elaborou, compartilhou ou incitou qualquer conteúdo golpista que não há sequer nenhuma mensagem de sua autoria. O que há é o recebimento passivo de mensagens no seu WhatsApp — afirmou o advogado Cezar Bittencourt, que também integra a defesa.
Bittencourt segurava ontem um papel com anotações que apontavam direcionamentos para a defesa: "Ele não estava no Brasil no 8 de Janeiro. Não participou dos atos de invasão. Não comandou nenhum movimento militar. Não instigou, não planejou, não mobilizou ninguém", dizia o documento.
Baixa no Exército
A defesa do militar destacou o fato de Cid ter pedido baixa do Exército por falta de condições psicológicas para seguir na carreira militar para argumentar que seria injusto que o Estado não concedesse os benefícios devidos ao delator, que há dois anos cumpre medidas cautelares de prisão e permanece afastado de suas funções. Para a defesa, a trajetória do militar — que já não teria condições emocionais de continuar no serviço ativo — reforça a necessidade de reconhecimento de seus direitos.
— Não seria justo que o Estado, agora, depois de ele estar com cautelar de prisão por mais de dois anos, afastado de suas funções e, inclusive, ter pedido baixa do Exército, não reconheça que ele não tem mais condições psicológicas para continuar como militar — disse Jair Alves Pereira.

