Dosimetria: texto que reduz pena de Bolsonaro avança no Senado e será analisado pelo plenário
CCJ decide que emenda é redacional, evita retorno à Câmara e libera análise do PL da Dosimetria ainda neste ano
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (17) o relatório do senador Esperidião Amin (PP-SC) ao projeto de lei que altera regras de dosimetria penal e pode reduzir a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado no âmbito da tentativa de golpe de Estado.
Além de aprovar o parecer, o colegiado decidiu, por maioria, que a emenda apresentada pelo senador Sergio Moro (União-PR) tem natureza redacional, e não de mérito — o que evita o retorno do texto à Câmara dos Deputados e destrava a tramitação no Senado.
A votação do texto em plenário deve ocorrer ainda nesta quarta-feira. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já havia pautado a votação desde terça-feira (16).
A aprovação ocorreu em um ambiente de resistência de senadores ligados ao governo, mas sem manifestação pública das principais lideranças governistas. Enquanto parlamentares do PT e de partidos aliados atuaram para tentar adiar a votação, os líderes formais da base evitaram assumir protagonismo no debate.
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O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, não participou da reunião por estar em encontro ministerial no Palácio do Planalto. Já o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, acompanhou a sessão da CCJ, mas não se pronunciou durante a discussão, em contraste com outros governistas que se posicionaram contra o avanço do texto.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), um dos principais críticos do projeto, disse que havia uma tentativa de acelerar a votação da dosimetria como parte de uma negociação política para destravar a análise de outro texto considerado prioritário para a equipe econômica, que trata do corte de incentivos fiscais e do aumento da tributação de bets, fintechs e juros sobre capital próprio.
Segundo Renan, o pedido não partiu formalmente do governo como instituição, mas diretamente do líder governista Jaques Wagner.
"Não é o governo. Quem falou comigo foi o líder do governo", afirmou Renan ao Globo. "O líder [Jaques Wagner] foi me pedir para deixar votar, em troca da votação das desonerações", completou.
O relatório aprovado restringe expressamente os efeitos do PL da Dosimetria aos crimes cometidos no contexto dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Com esse recorte, o Senado buscou afastar o risco de que a proposta beneficie condenados por outros delitos previstos no Código Penal ou na Lei de Execução Penal, uma das principais críticas feitas ao texto aprovado anteriormente pela Câmara dos Deputados.
Mesmo com a limitação, o projeto ainda alcança o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, enquadrados no mesmo contexto fático do 8 de janeiro.
Atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 | Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilPelos cálculos apresentados durante a tramitação, a mudança pode reduzir de forma significativa o tempo de prisão em regime fechado do ex-presidente. Atualmente, Bolsonaro teria de cumprir 5 anos e 11 meses nesse regime. Com o novo cálculo previsto no projeto, esse período cairia para 3 anos e 3 meses, o que permitiria sua saída da prisão, no máximo, no início de 2029. Segundo estimativas apresentadas na Câmara, a redução pode ser ainda maior, chegando a 2 anos e 3 meses em regime fechado, a depender da aplicação dos critérios legais.
Parlamentares favoráveis ao relatório sustentaram que a proposta não se confunde com anistia, mas promove ajustes na aplicação das penas, permitindo maior gradação entre diferentes níveis de participação nos crimes.
Um dos pontos centrais da votação na CCJ foi a decisão de classificar como redacional — e não de mérito — a emenda apresentada pelo senador Sergio Moro. A emenda explicita que as novas regras de dosimetria e progressão de regime se aplicam exclusivamente aos crimes ligados aos atos golpistas. Para o relator Esperidião Amin, a modificação apenas torna inequívoca a intenção do legislador original, sem alterar o conteúdo substancial do projeto aprovado pela Câmara.
A classificação da emenda como redacional foi contestada por senadores contrários ao projeto, como Renan Calheiros (MDB-AL) e Alessandro Vieira (MDB-SE), que sustentaram que a restrição ao 8 de janeiro altera o alcance material da proposta. Para esse grupo, a mudança deveria ser considerada de mérito, o que exigiria nova análise pelos deputados. A tese, no entanto, foi derrotada na votação.
Antes mesmo da análise do relatório, a CCJ rejeitou três requerimentos que buscavam adiar a deliberação para a realização de audiências públicas. Os pedidos foram derrotados por 15 votos, em um placar que funcionou como termômetro da correlação de forças no colegiado e antecipou a tendência de aprovação do parecer e do enquadramento redacional da emenda.
Durante o debate, o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) fez um pronunciamento longo no qual defendeu a necessidade de corrigir distorções na aplicação da legislação aprovada pelo próprio Congresso em 2021. Segundo ele, a lei que tipificou os crimes contra o Estado Democrático de Direito foi essencial para permitir a punição dos responsáveis pelos atos golpistas, mas deixou lacunas ao não diferenciar adequadamente líderes e financiadores de participantes sem poder de comando.
"Não é o sentimento de vingança que deve guiar o legislador. É preciso reconhecer que situações distintas exigem respostas penais distintas", afirmou Pacheco, ao sustentar que a correção legislativa não significa enfraquecer a defesa da democracia.
Para defensores do relatório, a mudança busca corrigir distorções na aplicação das penas sem ampliar benefícios para outros crimes. O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) afirmou que, após os atos de 8 de janeiro, houve exageros na soma de penas aplicadas a réus sem papel de liderança.
"É inegável que, depois do 8 de janeiro, houve excessos na aplicação das penas, especialmente na soma de crimes praticados dentro de um mesmo contexto. Muitas condenações acabaram sendo mais severas do que o razoável. Corrigir esses excessos é necessário e é dever do Parlamento", disse.
Um dos principais críticos do projeto, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) afirmou que a proposta chegou ao Senado sem tempo adequado de análise e alertou para o impacto institucional da mudança.
"Essa matéria foi aprovada de afogadilho na Câmara e o relatório foi apresentado hoje pela manhã. Estamos tratando de um dos capítulos mais sensíveis da legislação penal, que envolve crimes contra o Estado Democrático de Direito. Isso atinge a espinha dorsal da democracia", afirmou.
Já o presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), reiterou que pautou a matéria por decisão da maioria do Senado, apesar de manter posição pessoal contrária ao projeto. Alencar frisou que não se trata de urgência regimental, mas de uma decisão política do plenário da Casa, e que cabia à comissão cumprir o rito e permitir o debate.
O texto deve ser votado ainda nesta quarta-feira pelo plenário do Senado. Caso aprovado, o texto seguirá para sanção presidencial, embora o governo já tenha sinalizado a possibilidade de veto.
Ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 9 meses por ser o líder da trama golpista, segundo decisão judicial | Foto: Sérgio Lima/AFPEntenda o projeto
O que é a dosimetria penal: é a fase do processo penal em que o juiz define o tamanho da pena após a condenação, levando em conta a pena-base prevista em lei, agravantes e atenuantes, além de causas de aumento ou redução.
Quem é alcançado pelo projeto: condenados pelos crimes praticados no contexto dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, incluindo réus condenados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Impacto sobre Jair Bolsonaro: Bolsonaro foi condenado por crimes enquadrados nesse contexto e, portanto, permanece alcançado pela proposta, mesmo com a restrição adotada pelo Senado.
Concurso de crimes: o projeto altera a forma de cálculo quando há mais de um crime praticado no mesmo contexto fático. Em vez da soma automática das penas (concurso material), permite a aplicação da pena mais grave, com acréscimos proporcionais.
Progressão de regime: altera percentuais da Lei de Execução Penal, permitindo progressão com 16% da pena cumprida para réus primários, nos crimes ligados ao contexto do 8 de janeiro.
Diferenciação de condutas: prevê tratamento penal distinto para participantes sem liderança ou financiamento dos atos, mantendo penas mais altas para líderes e organizadores.
Ponto central do rito: a CCJ decidiu que a emenda que restringe o alcance do projeto ao 8 de janeiro é redacional, o que dispensa o retorno do texto à Câmara dos Deputados.
Progressão de regime: menos tempo em prisão fechada
O projeto reduz o tempo mínimo de cumprimento da pena em regime fechado antes da mudança para regimes mais brandos, como o semiaberto.
Para condenados primários pelos crimes do 8 de janeiro, passa a ser possível pedir progressão após cumprir cerca de 16% da pena, desde que haja bom comportamento. Hoje, esse percentual é maior.
Na prática: o condenado pode deixar o regime fechado mais cedo do que pelas regras atuais.
Cálculo da pena: fim da soma automática de crimes
Quando uma pessoa é condenada por mais de um crime relacionado ao mesmo episódio, as penas hoje costumam ser somadas.
O projeto muda essa lógica para os crimes do 8 de janeiro: quando as infrações ocorreram no mesmo contexto, o juiz deixa de somar automaticamente todas as penas e passa a aplicar a punição mais grave, com um acréscimo proporcional.
Na prática: o total da pena pode cair de forma significativa em relação às condenações que somaram vários crimes do mesmo fato.
Diferença entre líderes e participantes
O texto cria uma distinção clara entre quem liderou, financiou ou organizou os atos golpistas e quem participou sem poder de comando, influenciado pelo ambiente de tumulto.
Para esses participantes sem liderança, o juiz pode aplicar uma redução expressiva da pena, levando em conta o grau de envolvimento individual.
Na prática: pessoas sem papel de comando podem receber penas bem menores do que líderes e organizadores.
Regime domiciliar conta para redução da pena
O projeto deixa claro que o tempo cumprido em prisão domiciliar pode ser considerado para redução da pena por trabalho ou estudo.
Na prática: quem estiver em casa, mas trabalhando ou estudando, pode continuar abatendo dias da condenação.
Restrição ao 8 de janeiro: o que isso significa
Todas essas mudanças valem somente para os crimes cometidos no contexto dos atos de 8 de janeiro de 2023. O texto não se aplica a outros crimes violentos ou a condenações fora desse episódio.
O Senado decidiu que essa restrição apenas esclarece o alcance do projeto e não muda seu conteúdo principal, o que evita que a proposta volte para a Câmara dos Deputados.
Quando as regras passam a valer
Se o projeto for aprovado pelo plenário do Senado e sancionado pelo presidente da República, as novas regras passam a valer imediatamente e podem ser usadas em pedidos de revisão de pena.

