Emendas suspensas por Dino bancaram ambulância sem porta adequada e van para igreja, aponta CGU
Órgão analisou os repasses a dez cidades que receberam os maiores valores por meio de emendas pix
Um relatório da Controladoria-Geral da República (CGU) mostrou uma série de irregularidades na aplicação das emendas especiais, apelidadas de “emendas pix”, em nove municípios, incluindo superfaturamento de veículos de saúde, falta de comprovação de entrega de bens e uso indevido de recursos.
O levantamento foi usado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para suspender os repasses suspeitos de cidades com falhas na destinação da verba. O documento aponta problemas como superfaturamento de veículos de saúde, bens sem comprovação de entrega efetiva, destinação imprópria de recursos e falta de transparência.
A CGU analisou os repasses a dez cidades que receberam os maiores valores dessas transferências entre 2020 e 2024, somando R$ 724 milhões. Em nove delas, a CGU encontrou falhas graves nos planos de trabalho, execução das compras e prestação de contas.
Os auditores identificaram nas nove cidades um sobrepreço estimado em R$ 4,2 milhões em serviços e equipamentos. Em São João de Meriti (RJ), os técnicos encontraram os maiores valores de superfaturamento. Das quatro licitações realizadas em parte das emendas investigadas, houve somente um participante em três. Apenas na cidade fluminense, foram encontrados indícios de R$ 2,6 milhões em superfaturamento.
Procurada, a prefeitura da cidade disse que as transferências “dizem respeito à antiga gestão” e que os bloqueios “irão impactar de forma significativa o funcionamento de serviços essenciais”.
“A administração municipal irá auditar internamente os contratos vigentes que ainda façam parte dessas emendas”, afirmou.
No Rio, os técnicos apontaram indícios de superfaturamento na aquisição de portas acústicas para os teatros Ipanema e Ziembinski.
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Em nota, a Prefeitura do Rio afirmou que os “questionamentos já foram amplamente esclarecidos durante a auditoria” da CGU, “em que foi demonstrado não haver qualquer irregularidade na utilização desses recursos”. Segundo a gestão municipal, menos de 2% dos recursos da emenda Pix em questão foram destinados às portas acústicas.
Após a CGU constatar a duplicidade no pagamento para essa reforma, a prefeitura do Rio também afirmou que a despesa não ocorreu, tratando-se apenas de “um erro material na forma de composição do orçamento, já corrigido”. A administração ressaltou ainda que o preço dos itens seguiu procedimento formal de avaliação, com ratificação pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Outro exemplo foi o município de Iracema (RR), onde a prefeitura pagou R$ 498,4 mil por uma unidade odontológica móvel. O valor foi considerado 37% acima do preço de mercado — a média apurada pela auditoria foi de R$ 362,9 mil.
Além do sobrepreço, a CGU registrou que três ambulâncias adquiridas estavam sem porta lateral deslizante, em desconformidade com o que havia sido exigido no termo de referência e conforme constava nas notas fiscais.
Outro ponto destacado foi o fato de que um dos veículos aparentava estar sendo subutilizado. De acordo com a CGU, o odômetro (dispositivo que mede a distância total percorrida por um veículo) apontava uma distância total de 4,3 mil quilômetros. E, no interior do automóvel, não foram encontradas luvas, máscaras ou qualquer outro item que indicasse seu uso.
Ainda em Iracema, os auditores destacaram que “há evidências de que a van adquirida para o transporte dos profissionais de saúde estava sendo utilizada para fins particulares”. Isso porque foi encontrado no veículo uma placa de autorização para um evento intitulado “Inconformadas”, organizado por uma igreja protestante. Também encontraram uma lista de frequência para o “Curso Preparatório de Obreiros” de uma instituição ligada à igreja. Procurada, a prefeitura de Iracema não se manifestou.
“A equipe não achou evidências para explicar a razão da van conter uma lista de frequência de um curso de obreiros e para ter em seu para-brisa a autorização de um evento promovido por uma igreja. Portanto, há evidências de que a van esteja sendo usada para fins particulares”, destacou.
Já em Sena Madureira (AC), a prefeitura não conseguiu comprovar a entrega de combustível adquirido com recursos provenientes das emendas parlamentares auditadas, o que, segundo o relatório, pode levar a um prejuízo de R$ 1,8 milhão aos cofres públicos. Procurada, a gestão encaminhou um vídeo do prefeito, Gerlen Diniz, em que ele culpa o governo anterior por desvios com recursos das emendas. O prefeito afirma que buscará reverter a suspensão.
Em Macapá (AP), os auditores identificaram indícios de direcionamento no certame licitatório para construção de passarelas. Segundo os documentos, o pregão apresentou inúmeras cláusulas restritivas, diminuindo a concorrência. A prefeitura da capital não se manifestou.
Baixa transparência
A CGU apontou ainda um caso do que é chamado de “química contratual”, prática vedada na qual se usa de serviços previstos em contrato, mas não executados, para justificar outros serviços sem contrato. O caso em questão envolvia a construção de passarelas mistas de madeira e concreto. O relatório fotográfico entregue na prestação de contas, porém, indicava a execução de uma escada em concreto armado e a pintura do chão, e não de uma passarela.
Os auditores destacaram a baixa transparência na gestão dos recursos. As prefeituras não abriram contas bancárias específicas para movimentar as verbas, dificultando a rastreabilidade. Além disso, em muitos casos, os planos de trabalho estavam ausentes ou incompletos na plataforma Transferegov, sem metas claras ou indicadores de resultado.
Em 2024, Dino mandou suspender pagamentos de emendas Pix e só os liberou mediante algumas condições, como a apresentação de plano de trabalho sobre o uso do recurso e a abertura de conta específica pelo município para receber o dinheiro. Isso significou uma mudança na forma como essas emendas funcionavam: o dinheiro ia para municípios e governadores sem um carimbo sobre a destinação dos recursos.

