Entenda o que é o caso da "Abin paralela" no governo Bolsonaro
Investigações tiveram início a partir de reportagens do GLOBO publicadas em março de 2023
As investigações envolvendo o caso da "Abin paralela" no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro tiveram início após o Globo revelar, em março do ano passado, a compra de um sistema espião pela Agência Brasileira de Inteligência para monitorar a localização de alvos pré-determinados em todo o país. Ao concluir a apuração, a Polícia indiciou o ex-presidente e o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a agência no governo passado. Ao todo, mais de 30 pessoas foram indiciadas no caso.
Os dados eram coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho. O sistema foi utilizado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o diretor da agência era Alexandre Ramagem, que atualmente é deputado federal (PL-RJ).
Tanto Ramagem como o ex-presidente não comentaram o indiciamento. Em ocasiões anteriores, eles negaram a existência de estrutura paralelas na agência e a participação em espionagens ilegais. A Abin, por sua vez, tem afirmado estar “à disposição das autoridades” e ressaltou que os fatos investigados ocorreram em “gestões passadas”.
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O inquérito aponta ações contra o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Dias Toffoli; o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-chefe da Casa Rodrigo Maia; e o ex-governador de São Paulo João Doria, que foi pré-candidato à Presidência, entre outros alvos.
Para isso, segundo a apuração, a organização criminosa era dividida em setores: os núcleos “Presidência” e “vetor de propagação” eram municiados pelo grupo “estrutura paralela. Após consultas em ferramentas da Abin, como o programa espião FirstMile, eles repassavam dossiês e informações para serem disseminados por outros integrantes da estrutura.
Já o núcleo “Presidência” seria um ponto de contato do Planalto com os responsáveis por proliferar as fake news. A investigação aponta que o esquema, montado também para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da “rachadinha”, funcionava a mando do então diretor-geral do órgão, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL e aliado do ex-presidente.
Segundo os investigadores, uma parte da agência — ou o "núcleo de inteligência paralela" — comandada por Ramagem foi "aparelhada" para viabilizar a manutenção de Bolsonaro na cadeira de presidente. A PF viu relação entre as duas investigações, compartilhou provas, e dedicou um capítulo no relatório sobre as conexões entre a "Abin paralela" e o plano de golpe de Estado. A PF aponta que Ramagem orientou o presidente a atacar a credibilidade das urnas e adotar uma estratégia mais hostil no enfrentamento contra o "sistema”.
Ferramenta de monitoramento
Como revelou O Globo, a Abin utilizou um programa secreto chamado FirstMile para monitorar a localização de alvos pré-determinados por meio dos aparelhos celulares. Após a reportagem, a Polícia Federal abriu um inquérito e identificou que a ferramenta foi utilizada para monitorar políticos, jornalistas, advogados e adversários do governo de Bolsonaro.
De acordo com a PF, além de policiais federais e servidores da Abin, o então diretor da pasta à época, Alexandre Ramagem, e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro são investigados por suposta participação na chamada “Abin paralela”. Eles foram alvos de mandados de busca e apreensão. Ambos negam o crime.
Em 2022, a Associação Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança (Abimde) conferiu ao FirstMile, nome do sistema utilizado pela Abin, uma "declaração de não-similaridade". O documento é utilizado para a contratação do sistema sem a necessidade de licitação, já que só existe apenas um fornecedor. No documento, a entidade identificou o programa como um "serviço de geolocalização de dispositivos móveis em tempo real, capaz de decodificar as identidades lógicas dos dispositivos e de gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse".
Ainda de acordo com o documento, o programa usa a "infraestrutura GMLC e Sistema de Sinalização por Canal Comum". De acordo com especialistas, as designações técnicas apontam que o sistema usa, de alguma forma, a rede comum de celulares de operadoras de telefonia. A descoberta dessa vulnerabilidade ficou famosa a partir de 2014, quando dois especialistas alemães estudaram como outro programa parecido da mesma empresa que fornece o FirstMile conseguia esses dados, chamado de SkyLock.
O Sistema de Sinalização por Canal Comum remonta à década de 1970 e é o que permite a conexão entre dois celulares: em outras palavras, para completar uma ligação entre duas pessoas, a rede de telefonia precisa saber a qual antena cada celular está conectado.

