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Entrevista

"O Brasil há muito perdeu a compostura", diz ex-secretário da Receita Federal

Everardo Maciel deu entrevista ao podcast Direto de Brasília, apresentado por Magno Martins

Everardo Maciel (D) afirmou que,este ano, mais de 1.200 milionários brasileiros transferiram o domicílio fiscal para o exteriorEverardo Maciel (D) afirmou que,este ano, mais de 1.200 milionários brasileiros transferiram o domicílio fiscal para o exterior - Foto: Reprodução Youtube/Folha de Pernambuco

Everardo Maciel (D) afirmou que,este ano, mais de 1.200 milionários brasileiros transferiram o domicílio fiscal para o exterior

Ex-secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso, o pernambucano Everardo Maciel tem feito duras críticas à condução política e econômica do país. Em entrevista ao podcast Direto de Brasília, apresentado por Magno Martins, Maciel condenou o fechamento de diálogo com os Estados Unidos, as soluções de taxação das grandes fortunas e de aumento da isenção no Imposto de Renda. Sobrou até para as propostas de reforma tributária, "uma fantasia", segundo ele.

A sonegação ainda é grande no Brasil?
Sim. Sonegação existe desde que existe imposto. O que você tem q fazer é minimizar as possibilidades de ocorrência. Se abrir a guarda, ela aparece. Recentemente acompanhamos um grande escândalo fiscal em São Paulo, com uma empresa de grande relevância, com cerca de R$ 1 bilhão só de propina. Não me surpreende, porque o Brasil há muito perdeu a compostura. Era completamente inimaginável um governador preso por corrupção, ou mesmo um parlamentar, um presidente de poder, um juiz ou magistrado. Hoje virou coisa comum.

O Brasil tem acompanhado com muita expectativa sobre o tarifaço do Donald Trump. Em sua visão, qual seria uma solução viável?

Ninguém está falando sobre isso, mas no ano passado foi aprovada a Lei 15.079. Trump já havia sido eleito, e a lei pretende buscar uma coisa inventada pelos burocratas da OCDE para tributar no país pelos lucros auferidos no país e fora dele. Ou seja, vamos pedir ao Google os lucros dele e vamos tributar aqui. É uma fantasia delirante, sem nexo. E o Brasil aprovou essa lei, cujos efeitos ocorrerão a partir do próximo ano. Ninguém falou disso. Que bela confusão. Tem que revogar essa lei, em nome do bom senso e da sanidade mental. É quase uma provocação, sem utilidade, mas é lei.

Isso só aumentaria as dificuldades, que já são grandes...

Pode apostar, não tenha dúvida. Não é possível conhecer as verdadeiras dimensões do tarifaço, que alcançou o café brasileiro, que terá incidência de 50% nos Estados Unidos. Isso o torna menos competitivo que o café colombiano e o vietnamita. Então, quando isso acontece, você não tem que dimensionar pelos impactos na exportação de café, mas de toda a cadeia produtiva associada. E se aplica a todos os produtos. Brasil chegou a dizer que não vai entregar suas terras para os Estados Unidos, isso é de ignorância técnica absoluta. Qualquer empresa estrangeira pode se afixar nas terras brasileiras e explorar tudo, exceto urânio.
 

Por que a nossa carga tributária não consegue ser reduzida?

A explicação é simples. Quem faz carga tributária não é imposto, é despesa. Se a despesa for alta, só tem duas formas de financiá-la. Impostos ou dívida pública, transferindo o encargo de hoje para os nossos netos. É assim que acontece. A carga tributária sempre foi alta. Dilma certa vez usou uma expressão antológica de que gasto é vida.

E é difícil mexer nas despesas...

Toda despesa tem pai e mãe. Envolve conflitos de interesse monumentais. É difícil fazer uma reforma que alcance o gasto público, mas é indispensável.

E essa reforma tributária sai?

É uma fantasia. Nunca discutimos quais são os problemas, exceto quando partimos para generalidades reluzentes. Se diz que 'precisamos fazer justiça social'. É simpático, mas quem sabe o que é isso de fato (risos)? Até por isso, reforma tributária é muito simples. É diminuir o meu imposto e aumentar o seu.

A ampliação do limite de isenção do Imposto de Renda é um tema que parece que sairá esse ano ou o próximo, concorda com isso?

Já falei da impropriedade desse limite de isenção, o mais alto do mundo, maior proporcionalmente que Estados Unidos, Canadá e União Europeia. Isso não vai conseguir fazer a dita compensação. E para não fazer isso, aumenta o déficit público, vai ter que ter taxa de juros elevada, o que significa preços ou inflação elevados. Isso só trará malefícios. Agora, reconheço pragmaticamente de que é imbatível. Não tem quem consiga evitar que aconteça, porque isso está no velho, conhecido e próspero território das grandes demagogias brasileiras.

O governo Lula tem defendido a taxação de grandes fortunas como uma necessidade para o país. Mas também não é uma pauta fácil de se entrar...

O que acontece é que este ano, mais de 1.200 milionários brasileiros transferiram o domicílio fiscal para o exterior. E eles podem fazer isso, não é nenhuma irregularidade. Pessoas que conheço e que lidam com esse assunto registram que nunca houve uma onda tão grande de consultas para transferência de domicílio fiscal de empresas e pessoas físicas para o exterior. Na minha juventude, se dizia que dinheiro é covarde, quando você aperta ele vai embora.

O senhor é um crítico da Constituição Federal, por ela ter assegurado autonomia orçamentária aos Poderes...

De maneira simpática e elegante, ninguém mexe no orçamento do Congresso Nacional nem do Poder Judiciário. Dê uma olhada nos palácios do Judiciário e você vê a consequência disso. Posso fazer uma lista muito boa de como podem começar os cortes, agora é preciso de alguém vestido de muita autoridade e credibilidade para proceder a uma reforma nesse sentido.

Como vê a economia de hoje do Brasil?

Meio péssima. Temos problemas seríssimos e de difícil solução. Não são especificamente problemas de natureza econômica, mas que se entrelaçam com outros de natureza institucional, gerencial, especificamente de governança. Além de problemas sociais graves, como a presença muito forte do crime organizado e da corrupção em larga escala. Tudo isso culminado produz um problema de dimensão grande e difícil solução.

E quanto à política do ministro Fernando Haddad? 

Não faço julgamento sobre pessoas. A política econômica dele é muito ruim. Temos um aumento continuado no déficit da dívida pública, o que vai implicar necessariamente em medidas para enfrentar esse assunto, e é tratado como se nada estivesse ocorrendo. Sobre o tarifaço, o que fizemos? Travamos todos os canais de comunicação com o governo Trump desde a posse. Um assunto desse só tem possibilidade de ser mitigado negociando. Com os canais fechados, inclusive na relação da fazenda brasileira com o tesouro americano, vai criar problemas e pode piorar.

O presidente Lula reclamava do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mas agora as críticas ao atual, Arthur Galípolo, parecem ser as mesmas...

Porque a solução dada pelo presidente anterior é mesma do atual. Porque o problema é o mesmo. A origem está no enorme desequilíbrio fiscal do Brasil. Temos uma curva na relação dívida pública e PIB crescente, que já ultrapassou os 80% e caminha para 100%. Cada vez vai se tornar mais difícil e mais caro o financiamento do país.

A receita que o senhor utilizou na sua época na Receita Federal não serviria para agora?

Não. Cada época tem sua prateleira de problemas. Os problemas daquela época eram de natureza diferente. Antigamente, tínhamos um problema gravíssimo, mas muito pontual, que era hiperinflação. Para enfrentar aquele problema, abria espaço para mudança de qualquer natureza. Agora nosso problema é multidimensional. Temos outros problemas econômicos, somados a problemas de natureza institucional e de governança. Por exemplo, é inacreditável que as leis orçamentárias brasileiras ainda sejam de março de 1964. A Constituição de 1988 prometeu uma nova lei, que nunca veio. Não temos como governar, o orçamento não existe.

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