Planalto quer esfriar crise após Alcolumbre subir tom contra "interferência" na sabatina de Messias
Governo tenta pôr panos quentes após publicação pelo presidente do Senado de nota com críticas ao processo de indicação novo nome para o STF

Em uma escalada na crise com o Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), subiu o tom contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e acusou “setores do Executivo” de tentar associar dificuldades de apoio no Congresso à negociação de cargos.
Em uma dura nota divulgada no domingo (30), o senador apontou interferência indevida no processo envolvendo a análise da indicação do advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, ao Supremo Tribunal Federal (STF), e afirmou considerar as insinuações ofensivas “não apenas ao Presidente do Congresso Nacional, mas a todo o Poder Legislativo”.
A reação do Planalto foi de tentar pôr panos quentes na crise. Pouco após Alcolumbre divulgar a nota, a ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, foi às redes sociais dizer que o governo tem pelo presidente do Senado “o mais alto respeito e reconhecimento”. A estratégia, segundo aliados da ministra, é fazer acenos à cúpula das casas legislativas para distensionar a relação.
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A indicação de Messias ao STF aprofundou o mal-estar entre o Palácio do Planalto e o presidente do Senado. Segundo aliados, Alcolumbre não foi comunicado da escolha por Lula antes do anúncio e já havia demonstrado incômodo com a forma como o processo vinha sendo conduzido. O preferido dele, e também da maioria dos senadores, era o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“É nítida a tentativa de setores do Executivo de criar a falsa impressão, perante a sociedade, de que divergências entre os Poderes são resolvidas por ajuste de interesse fisiológico, com cargos e emendas. Isso é ofensivo não apenas ao Presidente do Congresso Nacional, mas a todo o Poder Legislativo”, diz o senador.
Placar desfavorável
No Planalto, auxiliares de Lula admitem que, neste momento, o advogado-geral da União poderia sofrer uma derrota no plenário do Senado, onde precisa de 41 votos para ter seu nome aprovado. Alcolumbre traçou um calendário que prevê a sabatina para 10 de dezembro, quando também pretende levar a indicação à análise dos senadores. O cronograma apertado, porém, foi visto como uma “armadilha” por integrantes do governo, pois não haveria tempo hábil para Messias conquistar os apoios que faltam.
Entre governistas, o discurso é que Alcolumbre segue a lógica de vender dificuldades na aprovação de Messias para poder ter margem em negociações de seu interesse. Segundo o colunista do jornal O Globo Lauro Jardim, uma das possíveis pedidas do senador para facilitar a vida de Messias no Senado é a presidência do Banco do Brasil — cadeira há muito tempo ambicionada por ele.
Aliados do senador, contudo, negam que haja negociações por cargo e que a indicação de Messias segue o rito normal. No comunicado divulgado ontem, Alcolumbre aponta tentativa de desmoralizá-lo. “Nenhum Poder deve se julgar acima do outro, e ninguém detém o monopólio da razão. Tampouco se pode permitir a tentativa de desmoralizar o outro para fins de autopromoção, sobretudo com fundamentos que não correspondem à realidade”, diz a nota do presidente do Congresso.
Ele ainda afirma ver tentativa de “interferência indevida” com o fato de Lula ainda não ter enviado ao Congresso a mensagem ao Senado com a indicação de Messias. Como mostrou o Globo, aliados de Lula afirmam que a falta de comunicação é estratégica: sem a notificação em mãos, o Senado teria que adiar a sabatina e a análise do nome, marcada para 10 de dezembro.
Para o Planalto, o adiamento pode ser uma saída diante das resistências a Messias entre senadores. A ideia seria conseguir mais tempo para negociar votos a favor do AGU, sem riscos de uma derrota no plenário do Senado, onde ele precisa do apoio de ao menos 41 parlamentares.
“Causa perplexidade ao Senado que a mensagem escrita ainda não tenha sido enviada, o que parece buscar interferir indevidamente no cronograma estabelecido pela Casa, prerrogativa exclusiva do Senado Federal”, diz Alcolumbre, acrescentando que assim como é prerrogativa do presidente da República indicar ministro ao STF, “também o é a prerrogativa do Senado de escolher, aprovando ou rejeitando o nome”.
Mapa das insatisfações
A avaliação entre aliados de Lula é que é necessário mapear as insatisfações de Alcolumbre e seu entorno político, entre os quais os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), para melhorar o ambiente político.
Ainda que o assunto não esteja à mesa neste momento, não se descarta abrir mais espaços dentro de órgãos federais para desfazer o descontentamento.
O entorno presidencial está convencido de que o aborrecimento de Alcolumbre não se deve unicamente ao fato de Pacheco ter sido preterido na escolha do STF e de Lula não ter ligado para o presidente do Senado para avisar que a indicação ocorreria em 20 de novembro, enquanto telefonou para o presidente da Corte, Edson Fachin.
O governo, porém, navega em condições difíceis dentro do processo de reaproximação. Além de não retornar às tentativas de contato de Jorge Messias, Alcolumbre também não tem conversado com o líder do Senado, Jaques Wagner (PT-BA), considerado o único nome que fala por Lula na Casa.
Parte da interlocução tem sido feita pelo líder do Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e pelo vice-líder do governo, Otto Alencar (PSD-BA). O ponto de virada só deve ocorrer a partir de uma conversa direta entre Lula e Alcolumbre, que não tem previsão de acontecer. O timing para esse encontro deve ser definido por dois fatores: o esfriamento da crise e o diagnóstico de onde está o calcanhar de Aquiles do aborrecimento do Senado, num processo que vem sendo descrito por aliados como uma “cirurgia de muitos pontos”.
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alencar (PSD-AP) admite que a escolha de Messias decepcionou Alcolumbre.
"A carta é uma resposta ao que tem saído na imprensa, que ele está impondo ao governo cargos, não é verdade, ele não pediu isso. Ele nunca solicitou nada. O que ele defendeu, como muitos, foi a possibilidade de a indicação ser do Pacheco e não deu certo. Ele realmente ficou um tanto quanto decepcionado (com o governo)", disse Alencar.
O parlamentar admite que, diante da crise instalada e da falta de mensagem presidencial, a sabatina de Messias pode acabar ficando para o ano que vem.
"Não vejo problema em ficar (a sabatina) para o ano que vem. Não é uma urgência, não é fratura exposta. O André Mendonça (ministro indicado por Jair Bolsonaro ao STF) demorou quase cinco meses para ser sabatinado".
