Rápida e discreta: prisão de condenados na trama golpista contrasta com conduta da Lava-Jato
Atuação da Polícia Federal e da Justiça mudou nos últimos anos
A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro e o início da execução das penas dos militares de alta patente condenados no processo da trama golpista foi marcado por uma mudança drástica em relação às prisões realizadas menos de 10 anos atrás no contexto da Operação Lava-Jato.
Diferentemente das imagens que marcaram a Operação Lava-Jato, com o uso de algemas e imagens dos acusados acompanhados pela Polícia Federal, as prisões da cúpula do governo Bolsonaro aconteceram de forma discreta e marcada por negociações entre o Judiciário e as Forças Armadas.
Na última semana, o colunista do GLOBO, Lauro Jardim, revelou que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), se reuniu fora da agenda com o comandante do Exército, Tomás Paiva, e o ministro da Defesa. Na conversa, ambos discutiram sobre a possibilidade de Bolsonaro cumprir a pena em instituições militares.
A prisão de Bolsonaro, dias depois, fugiu ao script previsto dos outros réus: em razão da convocação de uma vigília em frente ao condomínio do ex-presidente e da tentativa de violar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda, Moraes decretou a prisão preventiva de Bolsonaro.
No seu despacho, entretanto, especificou que o cumprimento do mandado de prisão deveria ser realizado “com todo o respeito à dignidade do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, sem a utilização de algemas e sem qualquer exposição midiática".
Da mesma forma, no cumprimento dos mandados de prisão dos militares nesta terça-feira, as decisões foram cumpridas por integrantes das Forças Armadas e não por policiais federais. Ex-secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho também atuou como advogado durante a operação Lava-Jato. Segundo ele, houve um amadurecimento dos órgãos de segurança e do Judiciário após a operação, com a diminuição de operações extremamente midiáticas.
— Eu acredito que há uma mudança na própria forma como a PF tem trabalhado e em outras operações importantes, no cuidado com a imagem dos investigados, cuidado no momento de se efetuar a prisão. Aquela espetacularização não acontece mais. É um saldo positivo e, a meu ver, isso acontece em vários órgãos, passa pelo MPF, não vemos hoje representantes do MPF dando entrevistas coletivas, fazendo manifestações em redes sociais. Fazem como todo ator do sistema de justiça deve fazer, que é atuar nos autos — afirma Botelho.
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O advogado destacou ainda que o Judiciário tem se mostrado mais cauteloso, no teor das decisões, em destacar a necessidade do respeito à imagem e preocupação com a integridade física dos acusados, além do local de cumprimento da pena.— Houve, sim, um avanço positivo em todo sistema de justiça, da PF, MPF e Judiciário — afirma.
Em 2018, o presidente Lula se entregou à Polícia Federal em meio a um grande ato político. Após a condenação do petista na segunda instância, o juiz Sérgio Moro não ordenou a prisão de Lula, mas deu 24 horas para que ele se entregasse à Polícia Federal, dando início a um processo que durou dois dias até a chegada de Lula à carceragem da PF em Curitiba.
Na ocasião, após o despacho de Moro, Lula se entrincheirou com aliados no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, onde permaneceu por dois dias. Após um ato político realizado em frente ao prédio do sindicato, Lula deixou o local em um comboio com diversos veículos até a Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, no bairro da Lapa. De lá, Lula foi encaminhado de avião até Curitiba e, do aeroporto da capital paranaense, foi levado de helicóptero para o prédio da PF, onde foi filmado acompanhado dos policiais federais que faziam sua escolta.
Em 2019, o ex-presidente Michel Temer também foi preso pela Polícia Federal em uma operação que ocorreu de forma pública. Após determinação do então juiz Marcelo Bretas, policiais federais à paisana permaneceram de carro em frente à residência de Temer, na Zona Oeste de São Paulo. Após o ex-presidente deixar o local, policiais federais interceptaram o carro onde ele estava no meio de uma avenida movimentada da capital paulista. Um dos agentes carregava uma arma de cano longo enquanto foi cumprida a prisão do ex-presidente.
Em 2019, foi aprovada também Lei do Abuso de Autoridade. Aprovada em 2019, já durante o governo Bolsonaro, a lei foi construída exatamente como resposta ao que era visto como excessos em operações policiais. Foi criminalizada, por exemplo, a conduta de autoridades que submetam presos a situações de vexame ou constrangimento por meio de violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência. O texto veda, especificamente, a exibição do corpo ou parte do corpo do detento à curiosidade pública.
O julgamento da trama golpista foi realizado em setembro e, por quatro votos a um, condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e depredação de patrimônio público em razão dos atos golpistas de 8 de janeiro.

