Sessão que condenou Bolsonaro foi marcada por demonstração de união do STF
Presidente da Corte se referiu a trabalho do relator Alexandre de Moraes como um "divisor de águas na História do Brasil"
O último dia de julgamento da trama golpista foi marcado pela defesa da democracia e por afagos entre os quatro ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que votaram para condenar todos os réus, em um claro contraponto a Luiz Fux, que na véspera se manifestou pela absolvição de seis acusados, incluindo Jair Bolsonaro.
A sinalização foi reforçada ainda pela presença no plenário de Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, que se pronunciou ao final da sessão e classificou o trabalho do relator Alexandre de Moraes como um “divisor de águas na História do Brasil”.
Em uma indireta à duração do posicionamento de Fux, que tomou 11 horas e meia, Cármen Lúcia, primeira a se manifestar ontem, disse que não iria ler o voto na íntegra. Em outra referência velada ao colega, ela também brincou após Flávio Dino pedir para fazer um aparte durante sua fala — um dia antes, Fux pleiteou não ser interrompido.
— Eu concedo, como sempre. Está no regimento do Supremo. Debate faz parte dos julgamentos, tenho o maior gosto em ouvir, eu sou da prosa — afirmou a ministra, antes de completar. — Desde que rápidos, porque nós, mulheres, ficamos dois mil anos caladas.
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Pouco depois, Alexandre de Moraes, relator do processo, também solicitou um aparte. Ao receber a palavra, numa espécie de tréplica ao voto de Fux, o ministro exibiu um vídeo no telão que recuperava um discurso de Bolsonaro no Sete de Setembro de 2021. Na ocasião, o então presidente afirmou a apoiadores que, “se o chefe de um Poder” (o STF, então comandado por Fux) “não enquadrasse um dos seus” (em referência a Moraes) ele poderia “sofrer aquilo que nós não queremos”.
— Se isso não é grave ameaça... — pontuou o ministro.
Como mostrou a colunista do Globo Malu Gaspar, o movimento de Moraes ao início da sessão foi combinado com os outros três ministros da Turma como uma resposta a Fux. Inicialmente, o alvo da estratégia acompanhou a cena em silêncio, mas acabou deixando a sala no momento em que o colega frisou que o “discurso populista que caracteriza ditaduras no mundo todo” partiu de Bolsonaro, “o líder da organização criminosa”.
Quando Fux retornou, Dino, sentado ao seu lado, puxou conversa, como se estivesse avisando que também pretendia falar. Em seguida, enquanto Cármen Lúcia citava o plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de autoridades, Dino ampliou as menções indiretas ao voto de Fux, que entendeu não haver provas suficientes para a condenação de todos os réus:
— No golpe de 1964 havia menos prova documental do que o dessa tentativa. Nessa tentativa agora só faltou a ata.
Na reta final da sessão, os ministros trocaram gracejos que incluíram até Fux. Moraes disse que perdeu o jogo do Corinthians na véspera e que “não faria a mesma maldade”, arrancando risos. Já Fux elogiou a “sobriedade” com que o julgamento foi conduzido.
— Todos apresentaram votos densos, mostrando que nós nos dedicamos ao nosso ofício, deixando destacado também que dissenso não é discórdia — comentou o magistrado, minimizando as divergências.
Discurso de Barroso
Assim como Barroso, o ministro Gilmar Mendes, decano do tribunal e integrante da Segunda Turma, também acompanhou in loco parte do julgamento. Já Barroso, por presidir o Supremo, não participa de nenhum dos colegiados. Inicialmente, ele ficou na primeira fileira da plateia, ao lado dos advogados de Bolsonaro. Logo em seguida, contudo, foi convidado a se sentar ao lado do presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, no local que geralmente cabe à secretária do colegiado.
Após a proclamação do resultado, Barroso fez um rápido discurso, no qual cumprimentou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o presidente da Turma e “sobretudo o relator” Moraes pelo “trabalho hercúleo”, chamado por ele de “um divisor de águas na História do Brasil”. Barroso também destacou a “imensidão de provas” e rechaçou a hipótese de “perseguição política”. Sem citar Fux nominalmente, disse ainda que “pensamento único só existe na ditadura”.
— Espero que tenha sido encerrado o ciclo do atraso, marcado pelo golpismo — disse.

