STF busca encerrar ações da trama golpista em 2025, mas casos sobre emendas parlamentares desafiam
Objetivo é analisar até o fim do ano os outros núcleos da trama golpista e entrar no ano eleitoral em uma fase de menos atritos
Após condenar Jair Bolsonaro (PL) e sete aliados, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá pela frente nos próximos meses mais julgamentos sobre a tentativa de golpe de Estado, a iminente prisão do ex-presidente e novos desdobramentos de investigações que atingem o bolsonarismo.
A Corte já vislumbra, no entanto, uma mudança de foco a partir de 2026. O objetivo é analisar até o fim do ano os outros núcleos da trama golpista e entrar no ano eleitoral em uma fase de menos atritos. A posse do discreto ministro Edson Fachin na presidência do tribunal, daqui a duas semanas, também é encarada como um fator que pode reduzir a tensão.
Integrantes do STF reconhecem, contudo, que ainda haverá momentos de turbulência a curto prazo. O caso das emendas, com parlamentares na mira e que já provocou trocas de farpas entre integrantes do Congresso e do Judiciário, tem à frente o ministro Flávio Dino. A avaliação de interlocutores do Supremo é que essas apurações devem ganhar ainda mais expressividade até o fim do ano, com o avanço das apurações.
No horizonte próximo da Primeira Turma, a mesma que sentenciou Bolsonaro, está o julgamento do núcleo 4, o “grupo da desinformação”, que está em fase de alegações finais.
No dia 3 de setembro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, encaminhou ao tribunal o pedido de condenação dos sete acusados de espalhar informações falsas, como ataques à credibilidade do sistema eleitoral, para insuflar o discurso golpista. A partir da entrega dos argumentos das defesas dos réus, a análise da ação poderá ser solicitada pelo ministro Alexandre de Moraes.
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As ações penais que tratam dos demais grupos da trama golpista também estão em fase de conclusão. Em 25 de agosto, Moraes abriu prazo para que a PGR e as defesas dos réus do núcleo 3, integrado pelos “kids pretos”, apresentassem seus argumentos. O mesmo procedimento foi adotado na semana passada no caso do núcleo 2, conhecido como “operacional”, que tem no alvo nomes como o ex-assessor presidencial Filipe Martins e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques.
‘Espírito de resiliência’
Para o ex-ministro Celso de Mello, contudo, a Corte já soube superar adversidades e suportar pressões em outros momentos da História, e tem demonstrado mais uma vez “dignidade institucional” para manter sua missão constitucional.
— E é exatamente desse espírito de resiliência, dessa vocação de permanência e dessa incontornável lealdade à ordem democrática que deriva a legitimidade da Suprema Corte do Brasil — afirmou Mello.
O julgamento dos demais processos da trama golpista ocorrerá com Fachin na presidência. Ele toma posse no dia 29 no lugar de Luís Roberto Barroso, com Moraes como vice. A dobradinha repete a formação feita em 2022 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com uma postura definida pelos colegas como “institucional”, Fachin deve buscar tirar o Supremo dos holofotes e dar novo fôlego às relações com o Congresso — missão que internamente é considerada difícil, mas vista como viável para o ministro, que presidiu a Corte Eleitoral em 2022, às vésperas das eleições. O estilo do gaúcho que cresceu no Paraná é comparado pelos pares ao da ministra aposentada Rosa Weber, conterrânea conhecida pela postura reservada.
No Supremo, a expectativa é que Fachin lidere a apresentação de uma proposta de código de conduta para os magistrados. Em 2024, durante palestra realizada no STF, o ministro afirmou que “comedimento e compostura são deveres éticos, cujo descumprimento solapa a legitimidade” da magistratura.
Na visão do professor de Direito Constitucional Rubens Glezer, da FGV-SP, o futuro presidente da Corte demonstra intenção de levar o STF à normalidade, buscando reduzir a interferência do tribunal na política e debater questões como o excesso de decisões individuais de ministros. Ele observa, entretanto, que haverá obstáculos.
— O presidente do Supremo não manda nos outros ministros. Então vai precisar que haja uma coalizão das pessoas que estão pensando as reformas do tribunal em prol do seu fortalecimento e de calibrar o regime de separação de Poderes, de fortalecer a democracia — observa o acadêmico.
Antes de chegar à esperada etapa com menos choques, há ainda acontecimentos com potencial de causar estremecimentos. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por exemplo, já foi indiciado pela Polícia Federal por coação a autoridades no curso do processo da trama golpista e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, o que pode levar a PGR a apresentar uma denúncia nos próximos meses — o próprio Bolsonaro é investigado neste caso. A ida do ex-presidente ao regime fechado, o que deve ocorrer até o fim do ano, é outro episódio que pode inflamar os ânimos.
— O Supremo vai prosseguir, e o fato de ser atacado faz parte do processo. Mas as agressões, as ameaças, as irresignações também vão seguir, é uma parte desse momento que estamos vivendo — afirma o ex-presidente do STF Ayres Britto, que comandou o tribunal durante outro julgamento considerado histórico, o do Mensalão.
A possibilidade de novas sanções a ministros por parte dos Estados Unidos e os embates com o Congresso em torno da anistia, das emendas parlamentares e da decisão que cassa o mandato do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) também estão no horizonte. Sobre a anistia, Dino e Moraes deram o tom do STF quando afirmaram durante o julgamento ao indicar que não há perdão possível, dentro da Constituição, para crimes contra a democracia. Mesmo assim, uma parcela da oposição tenta avançar com o tema, enquanto os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vêm esfriando o assunto.
Fator Fux
A avaliação no Supremo é que outro ponto de atenção para o futuro deve ser a nova dinâmica da Primeira Turma, que mantinha uma posição coesa nos julgamentos — todos os ministros seguiam Moraes — até o início do julgamento da trama golpista. A análise do recebimento da denúncia, em março, anunciou o distanciamento que passou a ser adotado por Luiz Fux, o que ficou consolidado com o voto dissidente absolvendo Bolsonaro.
A leitura na Corte é que o isolamento de Fux será inevitável pelos próximos meses, e que é possível que o ministro incorpore de forma definitiva o papel de “revisor” da ação penal da trama golpista durante a análise dos outros núcleos. O placar de 4 a 1 deve ser frequente também no caso dos demais réus.
Outra avaliação de quem acompanha os processos é que as divergências abertas pelo ministro durante o julgamento, em especial a defesa da falta de atribuição da Corte para julgar a trama golpista, também deve servir de munição para bolsonaristas. Além disso, o longo voto com argumentos pela absolvição de Bolsonaro tende a servir de subsídio para futuros recursos da defesa do ex-presidente na própria Corte e em tribunais internacionais.

