"Ultraje", "influência desmedida", "austericídio": Gleisi acumula ataques ao Congresso
Na presidência do PT, deputada era contra o partido fazer um movimento ao centro e defendia como estratégia investir na polarização
Escolhida para a ssumir a articulação política do governo, Gleisi Hoffmann tem um histórico de embates tanto com ministros da gestão Lula quanto com o Centrão, que funciona como fiel da balança nas votações do Congresso. Na presidência do PT, ela era contra o partido fazer um movimento ao centro e defendia como estratégia investir na polarização.
Nos últimos anos, à frente do partido, a deputada acumulou críticas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seu alvo preferencial na Esplanada.
Os embates entre Gleisi e Haddad se arrastam há anos. Tiveram início na campanha de 2018, quando o hoje ministro da Fazenda foi candidato a presidente, prosseguiram durante o período em que o PT esteve na oposição ao governo Jair Bolsonaro e se intensificaram ao longo deste terceiro mandato de Lula.
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Em dezembro de 2023, o PT, sob o comando de Gleisi, aprovou uma resolução que defendia a necessidade de o Brasil se libertar do “austericídio fiscal” em uma crítica às políticas de contenção de gastos do ministro da Fazenda. A alegação de aliados é que o texto foi aprovado pelo diretório nacional da legenda e não era uma posição da presidente da sigla em si, apesar de Gleisi o ter endossado.
— O ministro Fernando Haddad está fazendo o papel dele como ministro da Fazenda. Ele tem a visão dele e nós temos uma visão um tanto quanto divergente — afirmou Gleisi, na ocasião.
A nota do PT não foi bem recebida por Haddad. Em entrevista ao GLOBO, ele reclamou que o partido não podia celebrar os resultados na economia ao mesmo tempo em que o chamava de “austericida”. Gleisi respondeu que havia preocupação com uma “política fiscal contracionista”.
Na sexta-feira, o mercado reagiu mal à escolha feita por Lula para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI). O dólar atingiu R$ 5,91, com alta de 1,50%, após a divulgação da notícia.
Emendas: "ultraje"
Após ser confirmada no cargo, uma das primeiras pessoas para quem Gleisi Hoffmann telefonou foi o ministro da Fazenda. A aliados, Haddad relatou que a conversa foi “boa”.
Na mesma nota em que criticou a política fiscal do governo, o PT atacou o Centrão, grupo de partidos que apoiam o presidente Lula e que tem ministros no governo.
“Vencemos numa campanha de frente ampla, para fazer um governo de coalizão, mas é inegável que nosso campo político permanece minoritário no Congresso Nacional. As forças conservadoras e fisiológicas do chamado Centrão, fortalecido pela absurda norma do orçamento impositivo num regime presidencialista, exercem influência desmedida sobre o Legislativo e o Executivo, atrasando, constrangendo e até tentando deformar a agenda política vitoriosa na eleição presidencial”, afirma o texto.
Em outra aresta com o Congresso, Gleisi, que é deputada federal pelo Paraná, afirmou em fevereiro do ano passado que os R$ 53 bilhões que haviam sido aprovados para as emendas parlamentares eram um “ultraje” e defendeu que a sociedade pressionasse o Parlamento para conter o avanço sobre o Orçamento.
—Achei um ultraje o valor aprovado para emendas parlamentares no Orçamento, R$ 53 bilhões. É quase o total para investimento. Não sou contra as emendas, mas elas não podem substituir (o papel do governo). Não há um planejamento para o país na execução desses recursos, que seguem interesses dos parlamentares. Aí, o presidente (Lula) veta R$ 5,6 bilhões, e o pessoal do Congresso fica bravo, chateado. Não pode ser assim. Tudo tem limite. Temos que conservar o que é papel constitucional de cada Poder — disse a presidente do PT, na ocasião, em entrevista ao GLOBO.
A nova ministra também teve embates públicos com Alexandre Padilha, que acabou de sair da articulação política do governo para assumir o Ministério da Saúde. Depois das eleições municipais de 2024, ele afirmou que o desempenho do partido era de “Z4”, a zona de rebaixamento dos campeonatos de futebol. Gleisi, então, repreendeu o correligionário publicamente.
“Padilha devia focar nas articulações políticas do governo, de sua responsabilidade, que ajudaram a chegar a esses resultados. Mais respeito com o partido que lutou por Lula Livre e Lula Presidente, quando poucos acreditavam”, escreveu a presidente do PT, em uma rede social.
No rol de polêmicas, Gleisi defendeu, em setembro de 2023, o fim da Justiça Eleitoral durante debate sobre a PEC da Anistia. Para a presidente do PT, os tribunais eleitorais brasileiros “aplicam penas inexequíveis, que não são pedagógicas e inviabilizam os partidos”. Gleisi também questionou os gastos com a Justiça Eleitoral.
— Eu queria falar das multas dos tribunais eleitorais, que não são exequíveis e trazem a visão subjetiva da equipe técnica do tribunal, que sistematicamente entra na vida dos partidos políticos, querendo dar orientação, interpretando a vontade de dirigentes, a vontade de candidatos. Isto inviabiliza os partidos. Não pode haver uma Justiça Eleitoral. Isto já é um absurdo e custa três vezes mais do que o financiamento de campanha. Talvez precisemos olhar aí para mudar. Uma multa precisa ser pedagógica. A multa tem que trazer sanção política — afirmou.
Então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes repudiou o que chamou de “afirmações errôneas e falsas”, cujos objetivos seriam “impedir ou diminuir o necessário controle dos gastos de recursos públicos realizados pelos partidos”.
A Proposta de Emenda à Constituição da Anistia, defendida por Gleisi, livrou os partidos de multas eleitorais por descumprimento de cotas para negros e mulheres. A iniciativa foi promulgada em agosto do ano passado.
Sobre a necessidade de o PT fazer um movimento ao centro, defendida por integrantes do partido, Gleisi discordou, em entrevista ao GLOBO, em dezembro do ano passado:
—Já tentaram matar o PT e não conseguiram. Não podem pedir agora que o PT se suicide, rompendo com a base social que nos trouxe até aqui.
Ataques vão das emendas a Padilha
Trechos da nota do PT, sob o comando de Gleisi, em 2023:
“O Brasil precisa se libertar da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal, ou não teremos como responder às necessidades do país”
“As forças conservadoras e fisiológicas do Centrão exercem influência desmedida”
Gleisi Hoffmann, em fevereiro do ano passado:
“Achei um ultraje o valor aprovado para emendas parlamentares no Orçamento, R$ 53 bilhões”]
Gleisi, rebatendo Padilha sobre o desempenho eleitoral do PT:
“Padilha devia focar nas articulações políticas do governo, que ajudaram a chegar a esses resultados”

