Sáb, 27 de Dezembro

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Sabores

Tão importante quanto a cozinha, salão tenta se adequar

Esse campo minado onde o atendimento precisa saber onde pisa, vem tentando acompanhar o novo perfil da clientela

O clássico reúne jogo americano branco,  porta-guardanapo e taça de vinho a postosO clássico reúne jogo americano branco, porta-guardanapo e taça de vinho a postos - Foto: Alfeu Tavares

Em quantos restaurantes no Recife você conhece o garçom ou o maître pelo nome? Lembra as vezes em que fez questão de cumprimentá-los pelo a­tendimento? Longe de querer fazer dessas perguntas uma pesquisa de satisfação, os números que, certamente, ocuparam alguns dedos das mãos indicam o quanto essa relação ainda está abaixo do ideal para profissionais da área e consumidores. E não adianta achar que informações sobre o chef de cozinha amenizam possíveis danos. Quem nota a importância de servir, sabe que a má recepção no salão tem o poder de colocar para baixo a comida perfeita, enquanto o bom atendimento é capaz de abrir caminhos para a famigerada experiência perfeita.

A tarefa não é das mais fáceis. Lida com emoções e expectativas. Algo que nem todo cliente gosta de entregar tão fácil assim. Ele quer mesmo é ser conquistado e saber que todas as suas vontades serão compreendidas logo quando se aproxima do bar, lanchonete ou restaurante. Ali, para ter poucas horas de deleite, cabe ao bom serviço chegar até ele. Ato importante que um dos mais respeitados restaurateurs da atualidade, o americano Danny Meyer, diretor do Union Square Hospitality Group, responsável por restaurantes como o premiado Eleven Madison Park (NY), diz em seu livro “Hospitalidade e negócios” que os clientes, independentemente do conceito, esperam da sua marca: excelente culinária, serviço competente e hospitalidade atenciosa e cuidadosa. Três pontos onde, em qualquer outra grande cidade do mundo, pesará nas escolhas do público.

De volta à Capital pernambucana, muitos poderão responder a pergunta acima com o nome de seu Otoniel Abílio na ponta da língua, que, por mais de uma década, foi maître e sommelier do Wiella Bistrô, em Boa Viagem e, até hoje, mesmo morando em João Pessoa, recebe ligação dos antigos clientes recifenses. “Eles me perguntam: onde você está? Quero tomar um vinho com você”, descontrai. O jeito calmo e cordial de atender foi lapidado a partir de 1973, quando começou a trabalhar no hotel Nacional Rio, seguido por outras tantas experiências no Brasil e no mundo, voltadas para a alta gastronomia. “Tem gente que eu atendi por 45 anos, e essa relação fica porque sempre tive carinho pela minha função. As noites de sexta e sábado, por exemplo, eram como desfilar no salão com os vinhos, e isso me dava um prazer que o outro notava em mim”, lembra.

“Hoje em dia, a correria é grande e, por isso, está tudo muito diferente”, completa Otoniel ao lembrar o calcanhar de Aquiles de muitos estabelecimentos. Nesse quesito, André Saburó, do Quina do Futuro, lembra a importância de identificar como o cliente chega no restaurante. “É tentar perceber, sutilmente, como foi o seu dia. Se ele chega estressado ou não, o momento da refeição precisa ser prazeroso”, aponta. Um termômetro para Saburó é o horário do serviço. No almoço, o pedido tende a ser mais apressado, dinâmico. No jantar é mais calmo e com outras possibilidades de demanda. “Mas, para funcionar, é preciso ter uma equipe alinhada com tudo. Para ter uma ideia, na terça costumamos ter uma reunião de briefing para falar do final de semana ou discutir uma crítica deixada por algum cliente. É hora de identificar erros e acertos”, conta ele que ao longo desses 31 anos de casa registra histórias como pedidos de namoro, casamento e até diferentes gerações de uma mesma família ocupando as mesas do salão.

A cultura da hospitalidade
Os métodos de servir não são os mesmos de tempos atrás. O acesso à informação aumentou e empurrou novas demandas. Quem lida diretamente com pessoas recomenda seguir atendimento coerente ao produto. Consegue imaginar, por exemplo, um vendedor de sorvete sisudo? Que tal um boteco de fala silenciosa? Integra um estilo, sem ultrapassar limites. “A tendência é ser informal, sem ser invasivo”, resume o professor de hotelaria, Alan Machado, com a expertise de quem atuou em restaurantes nacionais e estrangeiros e ajudará o chef Yuri Machado na concepção de uma nova casa na cidade de olho no jeito democrático de receber. As mudanças de serviço, segundo ele, vêm de mãos dadas com a nova geração mais avessa à recepção bajuladora e protocolar, que há tempos ocupou salões de todas as partes.

“Esse novo atendimento parte do princípio de o garçom se apresentar e se colocar à disposição, é a chamada hospitalidade genuína em que você dá um bom dia de verdade, entende o cardápio e está feliz em saber que as pessoas estão lá para serem servidas. É de coração”, comenta Alan. “Mas isso só é possível com uma equipe valorizada, que também entende proposta e missão da casa, a exemplo do que chamam lá fora de employee handbook, uma espécie de manual de funcionários com toda a política da empresa”, emenda. Quem sabe assim, a sempre polêmica taxa dos 10% faça sentido a alguns clientes. É satisfação que não vem na forma só de gorjeta, segundo o gerente do Forneria 1121, Leo Barbosa, com 22 anos de gastronomia e experiência em 11 funções na área, com destaque para a atuação dentro do salão. “Às vezes, a pessoa não consegue mensurar verbalmente o que sente, a gente nota pelo olhar e fluidez no atendimento”, acrescenta ele que, quando possível, diz fazer questão de abrir a porta quando alguém se dirige à saída, como se estivesse se despedindo de uma visita de sua própria casa, “querendo que ela volte”, diz.

Serviço >
Mesas aparentes e com ausência de toalhas brancas
Funcionários heterogêneos misturando estilos, pensamentos e linguagens
Espaços para compartilhar e incentivar o convívio entre os clientes
Relação humanizada entre patrão e funcionário
Mais diálogo entre garçom e cliente, sem perder o profissionalismo
Mais conhecimento e informação técnica sobre o produto do cardápio

 

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