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Direito e Saúde

STF define critérios para cobertura fora do rol da ANS

O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de proferir decisão paradigmática a respeito da cobertura de procedimentos pelos planos de saúde, consolidando a natureza taxativa mitigada do rol de procedimentos e eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mais do que um julgamento isolado, trata-se de um marco jurídico que encerra anos de insegurança e debates sobre o alcance da lista da ANS, equilibrando o direito fundamental à saúde com a sustentabilidade do setor.

O contexto dessa decisão remonta ao julgamento de 2022 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia firmado entendimento de que o rol da ANS teria caráter taxativo, mas “mitigado”, admitindo exceções em situações específicas, como quando não houvesse substituto terapêutico ou quando existisse comprovação científica robusta. Essa decisão gerou intensa reação social e política, uma vez que parte da doutrina e das entidades de defesa do consumidor defendiam que o rol deveria ser apenas exemplificativo, garantindo maior liberdade para o médico prescrever e para o paciente acessar tratamentos.

Diante da repercussão, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) para estabelecer expressamente que o rol é taxativo, mas que pode ser superado em hipóteses excepcionais. A lei determinou que, não estando o procedimento previsto no rol, o paciente poderá obter cobertura se houver comprovação de eficácia, recomendações da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) ou de órgãos de avaliação de tecnologias em saúde internacionais de renome, além de ausência de alternativa eficaz já listada.

Foi essa lei que o STF, agora, analisou e declarou constitucional, fixando parâmetros mais detalhados para sua aplicação. A Corte estabeleceu que a prescrição médica é o ponto de partida, mas não é suficiente por si só. É necessário que se comprove cientificamente a eficácia e segurança do tratamento, com alta evidência científica — estudos clínicos controlados, revisões sistemáticas, metanálises e recomendações técnicas —, além de registro regular na ANVISA. Determinou-se ainda que o magistrado consulte previamente o NATJUS ou outro núcleo de apoio técnico, de modo que a decisão judicial seja fundamentada em análise especializada.

Essa decisão traz a medicina baseada em evidências para o centro da judicialização da saúde suplementar. Casos comuns, como pedidos de medicamentos oncológicos de uso domiciliar ainda não incluídos no rol, poderão ser deferidos desde que haja comprovação robusta de eficácia e ausência de alternativas terapêuticas disponíveis. Da mesma forma, tratamentos para doenças raras, terapias gênicas ou cirurgias minimamente invasivas, como a cirurgia robótica em casos complexos, poderão ter cobertura judicial se cumprirem os requisitos objetivos definidos pelo STF.

O paralelo com o Tema 1234 do próprio STF é evidente. Naquele julgamento, que tratou do fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS, a Corte condicionou a concessão ao registro na ANVISA, à comprovação científica de eficácia e à manifestação técnica da CONITEC, de modo a evitar decisões judiciais que desorganizem a política pública de saúde. Agora, no âmbito da saúde suplementar, a lógica se repete: o rol da ANS funciona como instrumento de regulação e previsibilidade, mas pode ser superado de forma controlada quando a ciência justificar.

Os reflexos práticos são significativos. Para os beneficiários, a decisão oferece um roteiro mais claro para pleitear tratamentos fora do rol, exigindo documentação médica detalhada, estudos científicos e, muitas vezes, pareceres técnicos. Para as operadoras, há ganho de segurança regulatória, já que as negativas poderão ser embasadas em critérios legais e técnicos, mas também há maior responsabilidade de responder rapidamente aos pedidos, sob pena de responsabilização. Para o Judiciário, a decisão exige um julgamento mais técnico e dialogado com os órgãos de apoio, o que tende a reduzir decisões divergentes e padronizar o tratamento da matéria.

Em um país marcado por forte judicialização da saúde, essa decisão representa um ponto de equilíbrio entre a proteção do consumidor e a sustentabilidade dos contratos. O STF sinaliza que a porta para novas tecnologias não está fechada, mas que será necessário comprovar, com dados e ciência, que o tratamento é realmente necessário e seguro. Ao harmonizar o regime da saúde suplementar com os critérios que já regem o SUS, o Tribunal contribui para um sistema mais racional, justo e sustentável, que garante o direito à saúde sem comprometer o equilíbrio econômico-financeiro do setor.

Mais do que resolver uma controvérsia jurídica, o julgamento inaugura uma nova fase para o debate sobre incorporação de tecnologias em saúde, estimulando a atuação técnica da ANS, o fortalecimento dos NATJUS e a busca por políticas públicas baseadas em evidências. É um passo importante para que a judicialização da saúde no Brasil se torne cada vez mais qualificada e para que as decisões judiciais estejam alinhadas às melhores práticas internacionais, beneficiando pacientes, operadoras e a sociedade como um todo.

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