Sex, 05 de Dezembro

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Marcella Balthar

Como coalizões territoriais podem transformar comunidades em Pernambuco e no Brasil

Da resposta rápida à reconstrução resiliente: o poder das parcerias locais

Diante de desastres climáticos e emergências humanitárias, a resposta mais eficaz muitas vezes vem da união entre governo, setor privado e sociedade civil. As chamadas coalizões territoriais têm se mostrado fundamentais para mobilizar recursos com agilidade, identificar necessidades locais e garantir ações coordenadas.

Mais do que uma soma de forças, essas articulações representam uma nova forma de pensar o território: como um ecossistema interdependente, onde diferentes atores compartilham responsabilidades e constroem soluções enraizadas na realidade das pessoas. Quando empresas aportam recursos, o poder público garante suporte institucional e as organizações sociais articulam as demandas da base, a transformação acontece.

Esse modelo tem ganhado força em diversas partes do Brasil. Em Pernambuco, por exemplo, durante o agravamento da fome após o período mais crítico da pandemia, surgiram iniciativas que mostraram a potência dessa articulação entre setores. Em bairros populares do Recife e de Olinda, movimentos sociais se uniram a pequenas redes de supermercados, comerciantes locais, igrejas de bairro e secretarias municipais para implantar cozinhas comunitárias. Essas cozinhas foram instaladas em escolas temporariamente desativadas ou salões paroquiais e passaram a oferecer refeições gratuitas a famílias em situação de insegurança alimentar. Além da comida no prato, essas coalizões possibilitaram a geração de renda para mulheres da própria comunidade e fortaleceram o sentimento de pertencimento coletivo. O apoio logístico veio de empresas da região, que ofereceram transporte e estrutura para armazenamento dos alimentos. A articulação foi construída em tempo recorde e, mesmo sem recursos federais diretos, manteve-se por vários meses por meio do engajamento dos envolvidos.

Outro exemplo, em um contexto diferente, pode ser observado em São Paulo, na comunidade de Paraisópolis. Ali, o crescimento de episódios de violência policial e a sensação de insegurança levaram os próprios moradores a se mobilizarem. Lideranças comunitárias iniciaram um processo de articulação com organizações de direitos humanos, universidades, o Ministério Público e até empresas privadas especializadas em segurança. O resultado foi a criação de um plano local de proteção coletiva, que envolvia desde a capacitação de jovens para mediar conflitos até o estabelecimento de rotas seguras dentro da comunidade. Essa coalizão territorial transformou uma situação de medo e vulnerabilidade em um pacto comunitário pela vida, reduzindo significativamente os episódios de confronto e inspirando ações semelhantes em outras periferias do país.

Essas experiências mostram que as coalizões territoriais não são apenas instrumentos de resposta emergencial, mas também plataformas de construção de resiliência a longo prazo. Elas funcionam como espaços de inteligência coletiva, onde se alinham saberes populares, conhecimento técnico, recursos logísticos e vontade política.

Em outros países, como os Estados Unidos, essas estratégias também têm ganhado destaque. Após o furacão Harvey, por exemplo, a cidade de Houston formou uma coalizão robusta entre autoridades públicas, universidades, grandes redes varejistas e organizações religiosas locais. Essa articulação permitiu não apenas a realocação rápida de famílias afetadas, mas também a criação de um laboratório comunitário de sensores que monitora áreas de risco e alimenta políticas públicas com dados em tempo real. O impacto foi tão relevante que esse modelo passou a orientar outras cidades americanas com histórico de desastres recorrentes.

Na prática, o que essas experiências demonstram é que a resiliência comunitária não nasce do improviso, mas da organização. Onde há redes locais fortalecidas, com confiança mútua entre os setores, a capacidade de enfrentar crises, sejam elas climáticas, sociais ou estruturais, é maior. Coalizões bem estruturadas não apenas respondem ao caos: elas criam infraestrutura social que permanece depois da emergência.

Para que isso aconteça, no entanto, é preciso vontade política, abertura institucional e, sobretudo, escuta. Nenhuma coalizão se sustenta se não partir das pessoas e de suas realidades. O engajamento cívico, quando reconhecido e valorizado, é o que garante que o território se mantenha vivo, preparado e protagonista.

Ao transformar solidariedade em estratégia articulada, as coalizões mostram que reconstruir vai além de erguer paredes: é tecer redes de confiança que mantêm viva a esperança, em Pernambuco, no Brasil e em qualquer lugar onde comunidades se unem para não deixar ninguém para trás.

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