Sáb, 06 de Dezembro

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Brincar é coisa séria: o que o Dia das Crianças nos ensina sobre educar com criatividade

Por Gabriela Breviglieri

Gabriela Breviglieri, Diretora-Presidente do Instituto Escolas CriativasGabriela Breviglieri, Diretora-Presidente do Instituto Escolas Criativas - Ale Cavaliere

“Brincar é coisa séria” é uma frase simples, mas que carrega uma verdade profunda sobre a forma como entendemos a infância e o papel da educação. Em um país onde o acesso à educação de qualidade ainda é desigual, o Dia das Crianças pode ser mais do que uma data comemorativa: pode ser um convite para refletir sobre o que significa ensinar e aprender em contextos tão distintos.

Ensinar com criatividade não se resume a usar materiais coloridos ou propor atividades lúdicas de forma pontual. Trata-se de construir um ambiente de aprendizagem conectado à realidade dos estudantes, em que há espaço para autoria, experimentação e significado. A criatividade na educação está ligada à relevância pessoal dos conteúdos, ao aprendizado “mão na massa” e à integração intencional entre currículo e prática. Envolve, também, reconhecer o erro como parte do processo e valorizar o compartilhamento de ideias. É uma forma de ensino que parte do princípio de que o conhecimento não está apenas nos livros, mas nas vivências, nos saberes e nas potencialidades de cada estudante.

A Aprendizagem Criativa propõe que as escolas sejam espaços mais significativos e acolhedores, em que os estudantes possam se envolver com projetos que tenham sentido e propósito pessoal, com possibilidade de trabalhar em pares e de forma lúdica e contextualizada. Essa abordagem permite transformar o Dia das Crianças em algo além do consumo e do entretenimento, recuperando o direito de imaginar, criar e aprender com sentido. Há redes públicas que têm aproveitado essa data para promover feiras de invenções feitas pelos alunos, mostras culturais e oficinas lideradas pelos próprios estudantes. Essas experiências não são eventos isolados, mas sinalizam o esforço de muitas escolas em buscar formas mais humanas e participativas de educar, mesmo diante de limitações estruturais e de recursos.

Valorizar o brincar criativo é reconhecer que toda criança tem direito a uma educação que estimule sua curiosidade, pensamento crítico e capacidade de construir sentidos para o que aprende. Em contextos marcados por desigualdades, essa valorização é ainda mais urgente. O brincar e o criar são caminhos para a expressão e o protagonismo, mas também para a resistência e a reconstrução de perspectivas. Quando a escola aposta em práticas baseadas na autoria dos estudantes e no “aprender fazendo”, os impactos vão além da motivação momentânea: há indícios de melhora na aprendizagem, na autoestima e na permanência escolar.

Em escolas públicas que aplicaram essa abordagem através dos nossos programas, o desempenho em Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental cresceu 5,4 pontos adicionais no SAEB em dois anos, o que representa cerca de quatro meses de recomposição de aprendizagem em apenas um ano letivo. Também houve redução na diferença de desempenho entre estudantes pretos, pardos e indígenas e estudantes brancos e amarelos, com diminuição de 2,6 pontos SAEB dessa disparidade. Esses dados mostram que práticas que envolvem o protagonismo e a criatividade dos estudantes contribuem significativamente para torná-la mais justa e efetiva.

A escola pública no Brasil enfrenta desafios diários, desde a falta de infraestrutura até a sobrecarga de professores. Ainda assim, há experiências que apontam caminhos possíveis para que o aprendizado se torne mais significativo. A criatividade não é uma solução mágica, mas uma ferramenta para reconstruir o sentido de aprender e ensinar. No Dia das Crianças, vale lembrar que o brincar não é apenas uma pausa no estudo: é uma linguagem legítima da infância e uma forma de aprender sobre o mundo. Educar com criatividade, nesse contexto, é reconhecer as limitações e, ainda assim, abrir espaço para que as crianças possam descobrir, questionar e criar a partir daquilo que têm e de onde estão e construir novas realidades para si e para o seu entorno.

Gabriela Breviglieri, Diretora-Presidente do Instituto Escolas Criativas

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