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Papo de Primeira

Inclusão e tecnologia: como preparar as escolas para atender estudantes neurodivergentes

Divulgação

Mais de 25% dos estudantes brasileiros apresentam algum tipo de necessidade educacional especial, segundo dados do Censo Escolar. No entanto, a maioria das escolas públicas ainda não está preparada em estrutura ou formação docente para garantir um aprendizado realmente inclusivo. Em um cenário em que a tecnologia avança rapidamente, a pergunta que se impõe é: como usá-la de forma eficaz e humana para atender à diversidade cognitiva nas salas de aula?

É nesse ponto de encontro entre inovação e propósito que se baseia a entrevista com Raphael Gadelha, CEO da Dulino e especialista em educação tecnológica, ao Papo de Primeira. A conversa traz reflexões sobre acessibilidade digital, personalização do ensino, metodologias ativas, o papel das EdTechs e os desafios da infraestrutura nas escolas públicas. Com a experiência de quem atua em projetos de educação 7.0 em contextos de alta vulnerabilidade, Gadelha defende que a inclusão começa na escuta e se consolida com o uso intencional da tecnologia: aquela que respeita ritmos, amplia possibilidades e transforma realidades.

A tecnologia tem revolucionado o ensino em diversas frentes. Mas, na sua visão, como ela pode ser usada de forma mais eficaz para atender estudantes neurodivergentes nas escolas públicas?

A tecnologia só cumpre seu papel quando humaniza. Para estudantes neurodivergentes, ela precisa ser ferramenta de acessibilidade cognitiva e emocional, com recursos como leitura em voz alta, comandos visuais e ambientes gamificados que respeitam o ritmo de cada aluno.

O modelo tradicional de ensino costuma ser padronizado. Quais estratégias tecnológicas você acredita que ajudam a personalizar o aprendizado de acordo com diferentes formas de cognição?

Plataformas adaptativas, que ajustam o conteúdo com base no desempenho do aluno, são essenciais. Além disso, usar múltiplas linguagens: texto, som, imagem e interação, e ajuda a respeitar diferentes estilos de aprendizagem.

Muito se fala em metodologias ativas e ensino híbrido, mas como essas abordagens podem ser adaptadas para alunos com TEA, TDAH e outras condições do neurodesenvolvimento?

Para alunos com TEA, TDAH e outras condições, metodologias ativas precisam de ajustes: clareza nos objetivos, estímulos controlados, rotinas visuais e ambientes gamificados estruturados ajudam muito na motivação e foco.

A infraestrutura das escolas públicas ainda é um desafio. O que você considera essencial para que a tecnologia seja uma ponte e não mais uma barreira para estudantes com necessidades específicas?

O essencial é infraestrutura funcional: internet estável, dispositivos básicos e uma curadoria pedagógica focada no problema real da sala de aula. Mais importante do que ter muito é saber por que e para quê usar.

Você acredita que a formação continuada dos professores é hoje adequada para lidar com ferramentas tecnológicas voltadas à inclusão? O que precisa mudar?

A formação docente ainda não é suficiente. Precisamos de formações práticas, com apoio contínuo e personalização para os professores também. O professor precisa ser respeitado como aprendente para formar com qualidade.

Quais são os principais erros cometidos quando se fala em inclusão por meio da tecnologia nas escolas? E quais seriam os caminhos mais acertados?

O erro mais comum é confundir inclusão com aquisição de equipamentos. O acerto está na escuta, na escolha estratégica das ferramentas e na formação que conecta tecnologia ao cotidiano escolar.

Como garantir que a tecnologia não seja apenas um suporte individualizado, mas também uma ferramenta para promover empatia e integração entre os alunos?

A tecnologia pode ser ponte de empatia quando promove colaboração. Projetos interativos, produção em grupo e ambientes compartilhados ensinam na prática que aprender diferente não é aprender menos.

Você vê algum exemplo de política pública que tenha funcionado bem no uso de tecnologia para inclusão educacional que poderia ser replicado em maior escala?

Há boas práticas, como no Ceará, com alfabetização aliada à tecnologia. Mas falta transformar boas ideias em políticas permanentes, com escala e continuidade, respeitando a diversidade regional.

Em termos de impacto social, qual é o papel das EdTechs, universidades e do poder público na criação de soluções acessíveis para a diversidade neurológica nas salas de aula?

EdTechs devem criar soluções acessíveis, universidades aprofundar pesquisas e o poder público garantir escala com equidade. Quando os três caminham juntos, o impacto social se multiplica.

A Dulino tem atuado em municípios com diferentes realidades. Quais foram os principais aprendizados ao implementar projetos de educação 7.0 em contextos de maior vulnerabilidade social?

Em contextos de vulnerabilidade, aprendemos que o que transforma é o afeto, a escuta e a personalização. Educação 7.0 é sobre colocar o aluno no centro com o que ele pode acessar e usar com autonomia.

A meta de impactar 1 milhão de vidas até 2030 é ambiciosa. De que forma a Dulino pretende ampliar seu alcance sem abrir mão da qualidade e da personalização no atendimento às diversas necessidades dos estudantes?

Vamos crescer com método. Usando formações híbridas, parceiros multiplicadores e tecnologia que nos permite acompanhar e ajustar. Mas o foco nunca sai do essencial: respeitar o tempo e a história de cada estudante.

Que mensagem você deixaria para gestores educacionais que ainda têm receio de investir em soluções tecnológicas inclusivas por medo do custo ou da complexidade de implementação?

Incluir é dever, não luxo. O medo do custo e da complexidade é compreensível, mas muitas vezes vem da falta de informação. A tecnologia inclusiva não precisa começar com soluções caras ou difíceis de usar. Existem ferramentas simples, acessíveis e eficazes que já transformam a realidade. O segredo está em começar com propósito, testar em pequena escala e contar com parceiros que orientem o processo. O maior erro é não começar. E o maior custo é o de continuar excluindo alunos que têm tanto a ensinar quanto a aprender.

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