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Um Ponto de vista do Marco Zero

As mãos tecelãs de Olinda

Em 1982, Olinda recebeu o título de cidade patrimônio cultural da humanidade. Firmado pela UNESCO

Em 1982, Olinda recebeu o título de cidade patrimônio cultural da humanidade. Firmado pela UNESCOEm 1982, Olinda recebeu o título de cidade patrimônio cultural da humanidade. Firmado pela UNESCO - Alexandre Aroeira/Arquivo Folha de Pernambuco

Dizia Gilberto Freyre que Olinda era a mãe do Recife. E Igarassu, a avó. Pode ser. Porque Olinda é dona de muita energia. E luz. Freyre indagava: “Que luz é esta que dá a estes montes e a estas praias, às suas casas, às suas igrejas, às suas barcaças, uma doçura que nem toda luz tropical dá às coisas?”.

Olinda foi a capital de Pernambuco. E, durante certo tempo, a Coimbra brasileira. Com a instalação do curso jurídico, em 1827, no Convento de São Bento. Quando era um burgo universitário e eclesiástico. Entre plantas e frutas: cravo, fruta-pão, cacauzeiro, pitangueira, jambeiro, sapotizeiro. Mencionava Freyre que eram tão cheirosos que bastava alguns sobre a mesa para perfumar as salas do Mosteiro.

Naquela época, Olinda tinha um espírito político feito de competência. As coisas funcionavam.  Antes, mostrando certo aristocratismo revolucionário. Próprio dos sistemas que adivinham sua temporalidade. Depois, exibindo uma combinação moderna de republicanismo e burguesia nascente.

Olinda cresceu. Com clara vocação cultural. Imagine uma cidade que tem carnaval, um Homem da Meia Noite, Mosteiro e igrejas barrocas, uma pintora de nome Teresa (Costa Rego), um pintor chamado José Claudio, o escritor-pintor João Câmara, o xilogravurista Samico e o economista ecólogo Clóvis Cavalcanti. Seria uma fantasia? Ou um devaneio? Um sonho ou paisagem tropical? Como escreveu Carlos Pena Filho, tão bela que as pessoas lá não dizem é aqui que eu moro, é aqui que eu vejo.

Em 1982, Olinda recebeu o título de cidade patrimônio cultural da humanidade. Firmado pela UNESCO. Cujo pedido foi subscrito em painéis com seus casarios desenhados por Aloísio Magalhães. Aloísio disse: “Não tem sentido a memória apenas para guardar o passado. A tarefa de preservar o patrimônio cultural é tarefa de pensar o futuro”. Porque, dizia Aloísio, “a cultura brasileira não é eliminatória, é somatória. Incorpora o fazer e o saber”.

Pois bem. Olinda parece pôr em risco esse patrimônio. Com desgaste econômico e cultural de seu perfil histórico. Por falta de cuidado com o sítio tombado. Como diz Clovis Cavalcanti, um sítio no qual é evidente a harmonia entre natureza e arquitetura. O título internacional está em risco por três critérios. Que, constitucionalmente, cabem à Prefeitura na gestão do uso do solo urbano: circulação, preservação patrimonial e segurança.

A circulação no sítio histórico está deformada por ausente administração. Impedindo a passagem de pessoas e veículos. Danificando o patrimônio histórico que deveria ser protegido. Por sua vez, a conservação e proteção do patrimônio histórico corre risco de deterioração pela falta de um programa permanente de zelo urbanístico.

E, finalmente, reconhecida insegurança transmitida pelo ambiente de medo dos habitantes. E de tal monta que Olinda deixou de ser destino turístico. Os próximos, não se arriscam a visitá-la. E as agências de turismo a retiraram do cardápio para visitantes.

Olinda não é apenas paisagem. Nem somente estandarte de obra coletiva de artistas cidadãos. Porque Olinda é compromisso. E não só do povo olindense. É uma escritura contratual firmada pelo povo de Pernambuco. Consigo, seus heróis e o povo consciente. Por isso, urge agir. Como dever de sociedade. E de governo.

Como escreveu João Cabral de Melo Neto: "De fora de uma casa, de uma cidade dessas, o estranho-de-mais-longe, sente a morna franqueza, que expressa sua fachada, mesmo quando se fecha". 

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