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Uma Série de Coisas

“Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente" expõe um Brasil sufocado pelo silêncio da AIDS

HBO Max aposta em narrativa sobre memória, solidariedade e sobrevivência

Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer e Ícaro Silva são os destaques do elencoJohnny Massaro, Bruna Linzmeyer e Ícaro Silva são os destaques do elenco - Divulgação/Max

Nos anos 1980, quando a epidemia de HIV/AIDS começava a devastar vidas e reputações no Brasil, o país carecia de medicamentos e de coragem institucional para tratar a doença como questão de saúde pública

Nesse vácuo de omissão e preconceito, um grupo de comissários de bordo decidiu agir. “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente”, nova produção da HBO Max exibida pela primeira vez no Festival de Gramado, resgata essa história incômoda e necessária.

A série, estrelada por Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer e Ícaro Silva, parte de personagens fictícios para revisitar um fato real. Tripulantes da Varig que arriscaram carreiras e reputações para trazer clandestinamente o AZT, primeiro medicamento capaz de retardar os efeitos do HIV. Era um “contrabando do bem”, em um tempo em que remédio, informação e dignidade passavam pelo mesmo bloqueio alfandegário.

Enredo

No centro da trama está Nando (Massaro), um jovem comissário que vive entre dois mundos: o da luxúria e liberdade sexual fora de casa e o da repressão e segredo dentro dela. A negação inicial dos riscos da AIDS não é somente um traço de personagem, mas um espelho de uma época em que a doença era reduzida à expressão “peste gay”

Quando os sintomas chegam, a narrativa deixa de ser apenas sobre um indivíduo e passa a traduzir o horror coletivo de uma geração marcada por estigmas e mortes silenciosas.

Se em outros dramas televisivos, como “Chernobyl”, o desastre se impõe pela força da catástrofe visível, aqui a tragédia é mais sorrateira. Corpos que definham, famílias que escondem, governos que fingem não ver. A série não recorre a vilões caricatos, mas expõe a crueldade institucional que transformou milhares de vítimas em fantasmas sociais.

Ao revisitar esse capítulo da história brasileira, “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente” presta homenagem à coragem de quem ousou atravessar fronteiras com comprimidos escondidos em malas e também presta um serviço de memória, lembrando que o preconceito e a ignorância matam tanto quanto o vírus.

Estética oitentista 

Um dos maiores méritos da produção é não se render à tentação de usar os anos 1980 apenas como vitrine estética. O figurino, a cenografia e a ambientação são minuciosos, mas não estão a serviço do exibicionismo visual. Estão, sim, a serviço de um mergulho real na época

A série recria o Brasil de maneira convincente sem apagar as tensões sociais que estavam na superfície, e esse equilíbrio dá densidade à narrativa. Outro acerto é a forma como a produção se propõe a ser didática sem perder impacto. Em um país ainda atravessado por preconceito e desinformação sobre o HIV, a escolha de sublinhar certas passagens não enfraquece a trama, pelo contrário, amplia o alcance e reforça a urgência da mensagem.

Potência dramática

Johnny Massaro entrega uma atuação intensa, e sua composição de Nando mostra um personagem que não cai em estereótipo. O espectador enxerga nele tanto o hedonismo de uma juventude que acreditava estar acima do risco, quanto o medo paralisante de quem se vê diante da doença. A série não tem receio de mostrá-lo como alguém complexo, mas, em vez de afastar o público, essa dimensão humana cria identificação e empatia.

Nesse sentido, a série alcança algo que vem se destacando no audiovisual brasileiro, consegue ser educativa sem perder potência dramática. Não se esconde atrás de metáforas, não suaviza os embates, mas também não abre mão da emoção

O resultado é uma obra que toca pela delicadeza, pelo horror, e que assume sua relevância histórica com coragem.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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