Artistas exploram laços afetivos de pernambucanos com a cultura nas redes
Há quem diga que as redes sociais afastam as emoções e distanciam o cotidiano da cidade. Mais de um ano depois da pandemia, a arte tem provado que é possível despertar sentimentos, reações e valorização do que é cultural pernambucano. Essas questões são frequentemente vistas em trabalhos de dois jovens artistas pernambucanos: Rômulo Jackson, 20, e Matheus Miguel, 18. De traços e artes distintas, eles conseguiram captar a essência das vivências pernambucanas, seja na cultura ou nos elementos do dia a dia, entre telas, ilustrações e poesias postadas em seus perfis nas redes.
O artista Rômulo Jackson começou a traçar suas primeiras obras após aulas sobre pintura no curso de Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). De cara, se interessou por natureza morta, uma técnica das artes que consagrou Paul Cézanne, Édouard Manet, Vincent van Gogh e Di Cavalcanti. Entretanto, longe do requinte dos artistas anteriores a ele, Rômulo buscou retratar o que era mais próximo a ele, fazendo uma pop art pernambucana.
A partir desses experimentos, surgiram algumas telas, muitas delas com marcas tradicionais entre os pernambucanos. Uma delas, possui um pacote de cuscuz nutrivita, um pote de margarina deline e um ovo. “Eu comecei como um estudo mesmo para a disciplina de pintura. Eu fiz uma série de pinturas para a avaliação e comecei a pesquisar as técnicas. A primeira delas foi a do leite condensado e depois foi a do biscoito Treloso”, explica Rômulo. A pintura do biscoito foi uma das mais compartilhadas, chegando a mais de três mil curtidas apenas em uma rede social.
O trabalho artístico de Jackson envolve outras questões políticas também, como na obra “Defenda o SUS”, onde ele traz um cartão de vacinação, um cartão do SUS, uma identidade e um documento de postinho de saúde. Já em outras, os sentimentos são diversos, como na obra “Saudades no Varal”, com uma farda da rede estadual de ensino estendida.
“Teve gente que comentou que lembrou de um sentimento de nostalgia, já outra pessoa compartilhou que a tela lembrava uma mãe que havia perdido um filho para a violência”, relatou o artista, que viralizou também com a pintura em acrílico “Latão 3 é 10”, em alusão ao Carnaval de Olinda.
RECIFE E OLINDA INSPIRAM
Se Rômulo encontra a poesia no cotidiano, o artista Matheus Miguel encontra na cultura e paisagens do Recife e Olinda suas maiores inspirações para fazer arte. Ele compartilha no perfil Poesia nas Estrelas, que possui mais de 25 mil seguidores no Instagram, ilustrações em aquarela acompanhadas de poesias autorais, trechos de canções ou versos de outros poetas pernambucanos. Suas obras passeiam por questões emergentes da cidade, desde as urbanas às culturais.
“Por causa da pandemia, essa coisa de estar na cidade, mas ao mesmo tempo não estar nela, vivendo ou ocupando ela mudou muito. Eu acho que o que tem nessa cidade passa um rio que é muito diferente, tem uma carga poética muito pesada, mas não é um rio qualquer. É um rio conhecido internacionalmente por ser da poesia de João Cabral de Melo Neto, é um rio que está presente em Chico Science e das capivaras”, conta Matheus, que além de se inspirar no cotidiano, também traz conscientização política em seus trabalhos.
Uma das características dele é colocar essa conscientização em primeiro plano, como pode ser vista em uma ilustração recente com uma capivara ferida por prédios que margeiam o rio Capibaribe. Ela nasceu bem no momento em que houve uma discussão sobre a ocupação do manguezal que corta a cidade. Uma outra famosa dele foi um caranguejo arrancando duas torres grandes, em alusão à desocupação desenfreada no território recifense. Ambos trabalhos inspiram as pessoas que não podem vivenciar o cotidiano do Recife por causa da pandemia, mas que compartilham milhares de vezes em seus perfis das redes.

