Lilia Cabral estreia filme "A lista" ao lado da filha, a atriz Giulia Bertolli
Mãe e filha, artistas dão vida a vizinhas de personalidades opostas em longa-metragem derivado de peça homônima de sucesso
No princípio, era a peça. Ou, melhor, o “espetáculo on-line”, coisa própria do período de pandemia, com atrizes num teatro vazio diante de câmeras que transmitiam ao vivo para um público do outro lado da tela. Fez-se, então, barulho — e mais luz, mais câmeras, mais ação.
A história foi vista por 160 mil pessoas na internet e atingiu, enfim, plateias palpáveis — em temporadas teatrais concorridas, que seguem a pleno vapor há três anos (já são 70 mil espectadores). E de repente virou... um filme.
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A trajetória de “A lista” — espetáculo com texto de Gustavo Pinheiro que agora inspira um longa-metragem dirigido por José Alvarenga Júnior, com estreia marcada para esta segunda-feira (17) à noite, às 23h30, na Tela Quente, da TV Globo — constitui, por si só, um roteiro embalado por uma surpreendente escalada de acontecimentos.
É algo que Lilia Cabral, protagonista da trama, conhece muito bem, obrigado. A atriz diz que vive (e trabalha) quase sempre desse jeito: ela se deixa levar pela intuição e, quando se dá conta, eureka!, as obras se transmutaram em formatos não calculados previamente.
Foi assim com “Divã”, peça com dramaturgia de Martha Medeiros que permaneceu oito anos em cartaz até se desdobrar num filme (também dirigido por José Alvarenga Júnior, em 2009) e numa minissérie (em 2011).
E sucedeu-se da mesma forma com “Maria do Caritó”, sucesso teatral por cinco anos, com texto de Newton Moreno, vertido para as telonas em 2019.
"Toda vez é um choque. Sem que a gente pense em metas, as coisas se realizam" divaga Lilia.
"Com “A lista”, não imaginava nada disso... Mas acho que o universo sempre conspira a favor se ele entende que não se trata de narcisismo ou vaidade. E que, no fundo, a gente quer contar uma história porque ela é necessária"
Humor em Copacabana
Apesar de ter como pontapé uma época específica, simultaneamente recente e distante na cabeça de quem vive em 2025 — a pandemia de coronavírus —, “A lista” não carrega o rótulo de obra datada. O tempo, a rigor, serve apenas de pano de fundo.
A narrativa segue os passos de Laurita (papel de Lilia), professora aposentada ranzinza e ressentida, que tem a vida modificada pela vizinha Amanda (interpretada por Giulia Bertolli, filha de Lilia), jovem que se oferece para fazer as compras de idosos do prédio em que mora, no bairro de Copacabana, durante o isolamento social.
O encontro entre as duas figuras de comportamentos opostos desperta uma amizade improvável.
"A partir disso, as duas personagens vão redescobrindo a poesia que a vida pode ter em pequenas coisas, tanto numa pedra solta do calçadão quanto num disco de vinil antigo. Desenrola-se, então, uma montanha-russa de emoções e sentimentos" detalha Giulia.
Quarto longa do Núcleo de Filmes dos Estúdios Globo, a produção — que tem no elenco nomes como Tony Ramos, Rosamaria Murtinho, Letícia Colin, Reginaldo Faria, Tony Tornado, Zezeh Barbosa e Betty Faria, entre outros — é um exemplar do que recorrentemente se classifica como “feel good movie”.
Em outros termos, trata-se de um filme sem grandes complicações e pensado para fazer os espectadores se “sentirem bem” (ou para provocar “um quentinho no coração”, como Lilia traduz).
A artista, aliás, levanta a bandeira da simplicidade. Essa é uma marca de parte de seus trabalhos, como ela indica.
"Um olhar que acalenta a alma, nesse mundo tão hostil em que vivemos, é necessário" ressalta a artista, de 67 anos.
"Inconscientemente, acabo escolhendo (em minha carreira) histórias que sei que todo mundo vai entender. E o lado mais simples sempre é o mais difícil, né? O ator Paulo Autran dizia: “O público precisa pensar que está sendo fácil. Mas, no fundo, está sendo muito difícil”. Acho o mesmo"
Parceria eterna
“A lista” — a peça e o filme — coroa a primeira parceria entre a atriz e a filha. Lilia se derrete pela moça de 29 anos, que também atua como roteirista (ela colaborou com Pinheiro no texto do filme). A jovem, por sua vez, relata que estar ao lado da mãe é “um constante aprendizado todos os dias”
"Sempre fomos melhores amigas, e a nossa convivência sempre foi ótima. E isso agora ganhou outras camadas, com uma troca mais profunda nas conversas sobre a profissão" enaltece Giulia, que há cerca de um ano deixou a casa da mãe.
"Uma das coisas mais bonitas que ela me ensinou, com palavras ou atitudes, é que todo dia a gente começa de novo, independentemente da cena linda que foi feita. Sempre será zero a zero. Nada nunca está ganho, sabe? Isso realmente me fez mudar o meu olhar para a vida"
Lilia dá uma risadinha e toma a vez na conversa:
"Fácil não vai ser para ela, nem como roteirista, nem como atriz. Mas vejo a determinação da Giulia e fico tranquila. Não adianta, de forma alguma, ganhar tudo do céu, porque o dia de amanhã sempre será complicado" discorre.
"Por isso é que entro em cena como se fosse sempre a primeira vez. E isso minha filha foi vendo e entendendo sem que eu falasse: “Tem que fazer assim ou assado”. Afinal, a vida é dela! Posso até dar exemplos, mas quem escolhe é ela"
As duas não descartam novos projetos juntas. Por ora, porém, preferem dar tempo ao tempo.
"Giulia está seguindo o caminho dela" explica Lilia.
"A gente vê tanta mãe e filha ou pai e filha fazendo trabalhos juntos. Mas tudo tem que ser natural. Nada pode ser forçado. As duas Fernandas (Montenegro e Torres) já realizaram tantos trabalhos bonitos juntas. E tudo levou para que fizessem assim, sabe? Então, a gente vai deixando a vida levar. E a vida está nos levando bem..."
Giulia acrescenta:
"O que dá para falar é que nossa parceria é eterna, independentemente de estarmos no palco, na tela da TV ou do cinema ou até mesmo na sala de nossa casa"
Entre vilãs e boas moças
Lilia Cabral levou um susto ao ver “A lista” pela primeira vez na telona, dias atrás. Intérprete da vilã Maristela na novela “ Garota do momento” — uma socialite carrasca que planeja a morte de desafetos como quem escolhe um copo no armário para tomar água —, a atriz custou a se reconhecer na pele de Laurita. Achou-se mirrada, totalmente diferente da mulher de postura aristocrática do folhetim exibido às 18h na TV Globo.
"Até levei um choque. Falei assim: “Nossa, mas eu tô tão feinha, tão caidinha” (risos). Vivo assistindo à Maristela na TV e no Globoplay, e aí de repente me colocam na frente da tela e eu me vejo como a senhora de Copacabana. Nooossa, foi muito bom! E, para mim, é isso mesmo. O meu trabalho é esse. Meu compromisso está em defender as personagens como elas têm que ser. Minha vaidade, por isso, não é estética. Ela é de alma"
Rosto, corpo e voz para personagens populares, a artista conta que os autores Manoel Carlos e Aguinaldo Silva — nomes por trás de novelas em que ela interpretou personagens marcantes, entre as quais “Páginas da vida” (2006), “História de amor” (1995), atualmente em reprise no Vale a Pena Ver de Novo, “Fina estampa” (2011) e “Império” (2014) — foram as pessoas que mais a ensinaram a se “desconstruir sem pensar em vaidade”, como ela aponta.
"Isso foi um ganho para a minha vida" avalia a atriz.
"Nunca mais fiquei pensando aonde é que eu posso ir lá me mostrar exuberante. Não, não me movo assim! Penso só no que o personagem vai acrescentar para quem está assistindo e por que ele precisa existir"
Do choro ao riso, das mocinhas às antagonistas — e do teatro à televisão, passando pelo cinema —, a atriz faz questão de se desdobrar em papéis de perfis variados.
Ela acredita que a vida e o rigor com que encara o ofício acabam a encaminhando para essa miríade. Detalhe: desde que fez o primeiro trabalho na TV (em “ Corpo a corpo”, de 1984), a artista não saiu do ar por nem um ano.
"Não sei se penso muito: “Ah, agora vou fazer um drama; ah, agora vou fazer comédia”... Acho que tenho sorte de chegar até as minhas mãos histórias muito bem conceituadas e armadas, e que são pertinentes ao mundo em que vivemos" analisa.
"Também já entrei em roubadas, claro. Aliás, não digo roubadas porque sempre aprendi com elas. Mas já achei que um trabalho seria maravilhoso, e não foi. E não tem importância! Não posso contar que minha vida seja de sucessos. O sucesso, na realidade, é isto: é enfrentar os fracassos e as boas-vindas de tudo o que é bom. Mas não que isso seja uma prioridade, sabe?"

