Dom, 28 de Dezembro

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Entrevista

Monja Coen sobre pandemia: 'Essa dor só vai melhorar se nos auxiliarmos mutuamente'

Missionária zen budista fala sobre como lidar com momentos de dificuldades em seu mais novo livro

Monja Coen, missionária zen budistaMonja Coen, missionária zen budista - Foto: Reprodução/Facebook

Em seu novo livro, intitulado “Ponto de virada: O que faz uma pessoa mudar?” (Editora Academia), Monja Coen oferece uma reflexão serena sobre um dos momentos mais desafiadores da história humana. Escrita durante a quarentena, a obra lança ao leitor a proposta de enxergar a pandemia como uma oportunidade para empreender mudanças positivas. Em entrevista à Folha de Pernambuco, a escritora e missionária zen budista falou de meditação, desapego e outras formas de lidar com os impactos da Covid-19. 

A senhora acredita que a humanidade pode sair transformada da pandemia?

Gostaria muito que isso acontecesse, mas acho difícil. A transformação acontece o tempo todo e todos nós estamos sempre nos modificando, mas existem pessoas que ainda pensam muito pequeno. Alguns não percebem que nós somos um todo manifesto e que, quando você faz bem ao outro, faz bem também a si mesmo. Há pessoas que são muito egóicas. Vimos nesta pandemia gente vendendo, por exemplo, álcool em gel falsificado e respiradores que não funcionavam. Essa é a prova de que não é porque estamos vivendo um momento de grande sofrimento que todo mundo desperta e vira pessoa boa. Muitas pessoas ficaram mais solidárias e partilharam o que tinham, enquanto outras correram para os supermercados e compraram tudo o que puderam. Dentro dos seres humanos há inúmeras possibilidades e todas elas estão em aberto. A maneira como lidamos com a realidade é que vai nos transformar e transformar o nosso meio. Essa dor que estamos sentindo só vai melhorar se estivermos juntos e nos auxiliarmos mutuamente. Isso eu chamo de despertar da consciência. Só que nem todos têm essa capacidade. Se a humanidade vai melhorar ou piorar, eu não posso dizer. Algumas pessoas terão sim uma maneira nova de viver, cuidar e consumir, mas não será a maioria não.

Como foi o processo de escrita do seu novo livro em meio à pandemia?

Em janeiro, a minha editora me solicitou dois livros. Um seria para o primeiro semestre e o outro para o segundo. Me deram o título, fiquei pensando sobre o que eu falaria, o contrato ficou pronto e, quando sentei para escrever, a pandemia chegou junto. Aí não dava para viver uma realidade separada do que estava acontecendo. Então, o livro tem muito a ver com esta situação. Nós temos que dar uma virada nesta história. Em vez de ficarmos só reclamando, querendo que fosse diferente e tentando encontrar culpados, devemos refletir sobre o que a gente pode fazer para viver com lucidez esses dias. Como eu aprecio a minha vida onde ela está e não onde gostaria que estivesse? Então, eu relato várias coisas que aconteceram durante esses meses, de março a junho. Foram dois meses e meio de pandemia escrevendo, recebendo influência do que estava acontecendo conosco, e dizendo: é possível você dar a virada. Mudamos o nosso olhar, a maneira de falar e de ser para o mundo. Todos podem fazer isso, mas é preciso querer também. Não é ficar deitado numa cama, imaginando quando tudo isso vai passar. A gente tem que estar vivo, presente onde a gente está, apreciando a vida seja qual for a circunstância, e não pensando que sua felicidade e bem-estar está lá adiante. Não pode ser assim. Você tem que estar bem aqui e agora. No meio desse desequilíbrio todo, você tem que encontrar o seu ponto de equilíbrio. 

Qual é a importância do desapego - um dos temas abordados no seu livro - como ferramenta para lidar com as dificuldades que a pandemia nos trouxe? 

Não podemos estar apegados a coisa alguma. Quando eu me grudo em algo eu quero que ele seja permanente, mas não há nada que seja fixo nesse mundo. Tudo é transitório: a alegria, a tristeza, o amor, o desamor, a briga. Tudo passa. Então, quando perceber isso, você abre as mãos e tudo o que existe cabe nelas. O apego a uma coisa só nos limita, nos impede de ser. As pessoas acham que é bonito, quando começam a namorar, os ciúmes. O amor verdadeiro é livre. Claro que tem uma preocupação, um cuidado, mas não aquele desespero, que pode chegar até a violência. O desapego é a capacidade de você não ficar limitado por aquilo que você acha que é seu e perceber que a gente pode compartilhar.

Como devemos lidar com o acúmulo de notícias tristes provocado pela pandemia?

Assim como há notícias ruins, há notícias boas. A gente precisa olhar os dois lados da moeda. Há muita gente morrendo, mas também nasceram pessoas no mundo todo, bebezinhos de todos os tipos e de todas as cores. Claro que o que nós estamos passando é excepcional e temos que dar atenção especial sim a essas mortes, orar por cada uma delas, lamentar junto com as famílias este sofrimento. Nós temos empatia, que é a capacidade de sentir o que o outro está sentindo. Se você vê uma pessoa chorando, você chora junto e se pergunta o que pode fazer para minimizar a dor do outro. Eu fiz algumas doações para grupos que distribuem cestas básicas, por exemplo. Me senti um pouco ativa, um pouquinho só, mas é uma forma de contribuição para aqueles que precisam. Então, você encontra um estado de tranquilidade. Tem coisas bonitas acontecendo e também tem muita coisa feia: pobreza, diferenças sociais, discriminação. Esse vírus deixou tudo escancarado, para o bem e para o mal. Esse é o momento em que aqueles que têm o mínimo de consciência começam a fazer coisas que são benéficas para todos, não só para si. Talvez, esse seja um olhar que a gente tenha que desenvolver, porque nos dá uma medida. Onde estamos agora e para onde estamos indo? Tem que encontrar um equilíbrio. Não dá para ficar o dia inteiro procurando notícias prejudiciais, mas também não pode fugir da realidade. 

A meditação tem encontrado cada vez mais adeptos. Quais são as dicas para quem quer iniciar essa prática no seu cotidiano?

A meditação é um processo interessante e, como tudo, é um treinamento. Você não vai ficar uma semana inteira meditando se você nunca meditou na vida. É como alguém que vai correr uma maratona sem nunca ter feito uma caminhada antes. Nós vamos aprendendo aos poucos. A gente começa com exercícios básicos e simples de respiração consciente. Isso ainda não é meditação. É aprender a dar foco. Há técnicas, que chamam em inglês de mindfulness, de plena atenção. Você está presente onde você está. Isso melhora o nosso espírito e diminui a ansiedade. Alinha a coluna vertebral e a cervical, as orelhas ficam em linha com os ombros, o nariz com o umbigo. Esse é um exercício respiratório que pode facilitar a meditação. Quando você inspira, não puxa o ar. Apenas percebe que a caixa torácica se expande e o pulmão se enche. Aí você dá uma pequenina pausa e começa a soltar bem devagarzinho pela boca, suave, sem pressa nenhuma. Faz isso o mais longo possível, abrindo a glote, fazendo barulho. Repete mais umas duas vezes e, depois disso, fecha os lábios, põe a ponta da língua no céu da boca e fica bem quietinho. Não precisa fazer nada, não tem que parar coisa nenhuma. Observa o ar entrando e saindo dos pulmões. Ee vai sozinho, não tem que forçar. Você começa a notar pensamentos, memórias, sensações, emoções e vai perceber que nós somos múltiplos, que a nossa mente é incessante e luminosa. Não queira pará-la. O processo meditativo começa aí. Se cinco minutos for muito, tente por três. Pode parecer uma eternidade no começo, porque estamos acostumados a ter estímulos neurais o tempo todos. De repente, você vai parar e ficar olhando para a sua própria mente. Vão aparecer histórias da infância, coisas que você pensou que tinha esquecido, momentos bons de lembrar e outros ruins. Mas não é preciso parar em lugar nenhum, apenas perceber que tudo isso somos nós. É mais simples do que a gente pensa. Criamos uma ideia de que meditar é sair da realidade, mas não é não. É estar presente nela. 

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