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Sertão assombrado

"Reencarne" impressiona na forma, mas peca na conclusão da história

"Reencarne" usa o gênero como eixo narrativo para atravessar temas espinhosos como identidade, luto, culpa e desejo

Ponto de vista: "Reencarne", do Globoplay.Ponto de vista: "Reencarne", do Globoplay. - Foto: Divulgação

Ao escolher o Cerrado goiano como território do medo, “Reencarne”, série original do Globoplay, faz algo que o audiovisual brasileiro raramente se permite: abraça o terror sem pedir desculpas. Não tenta se esconder atrás do rótulo de drama sobrenatural, nem suaviza elementos mais incômodos para parecer mais aceitável. É terror mesmo. E essa escolha, logo de saída, diz muito sobre a ambição da produção.

“Reencarne” usa o gênero como eixo narrativo para atravessar temas espinhosos como identidade, luto, culpa e desejo, sem precisar se preocupar em torná-los confortáveis. A história cruza crime, espiritualidade e obsessão ao longo de nove episódios que caminham sempre em uma fronteira instável.

A premissa não demora a fisgar. Túlio, papel de Welket Bungué, é um ex-policial condenado pela morte do parceiro Caio, personagem de Pedro Caetano, que tenta reconstruir uma vida que já nasce em ruínas. Do nada, aparece Sandra, mais uma atuação consistente na carreira de Julia Dalavia.

A jovem desconhecida bate à porta dele afirmando ser a reencarnação do amigo morto. A partir daí, “Reencarne” se desdobra em duas frentes: um passado que insiste em retornar e um presente contaminado por acontecimentos que desmontam, pouco a pouco, a lógica da Delegada Bárbara Lopes, interpretação visceral de Taís Araujo.

Em paralelo, há ainda o cirurgião Feliciano, vivido por Enrique Diaz, em quem a série projeta sua face mais concreta e perturbadora: um homem disposto a ultrapassar qualquer limite ético, moral ou humano para manter viva a esposa doente.

Um dos maiores acertos de “Reencarne” está na maneira como essa trama existencial se ancora em uma brasilidade direta, sem folclore artificial. A fotografia explora um interior de Goiás pouco frequentado pela dramaturgia televisiva, enquanto a trilha sertaneja deixa de ser mero adereço regional para virar matéria emocional da narrativa.

O contraste entre karaokês, músicas populares, estradas de terra e cenas sombrias cria um estranhamento potente que combina perfeitamente com a proposta de um terror de sotaque próprio. Não é só cenário, parece identidade dramatúrgica mesmo.

Tecnicamente, “Reencarne” impressiona. A captação integral em 8K e o cuidado com o som imersivo ajudam a desenhar sombras, intensificar o jogo de luz e dar corpo ao horror, especialmente em uma narrativa que alterna interiores sufocantes e noites densas com paisagens totalmente cobertas pelo sol.

O problema é que tanto rigor na forma eleva demais a expectativa. E chega um momento em que a história não acompanha esse nível de precisão.

Depois de um início instigante, que equilibra bem mistério, drama e emoção, “Reencarne” começa a se tornar mais opaca do que profunda. Alguns personagens entram como promessas de desdobramentos importantes, mas ficam à margem do necessário para que o desfecho tenha impacto.

Nos episódios finais, surge uma sensação incômoda de que faltou tempo ou sobrou ambição para organizar as tramas de maneira condizente com sua narrativa. O encerramento soa confuso e parece um tanto fora de hora. E frustra justamente por vir de uma obra tão segura na forma e nas interpretações.

“Reencarne” – Globoplay.

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