Sáb, 06 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Apagão

Apagão na Europa: entenda por que reiniciar uma rede elétrica após colapso maciço é tão difícil

Espanha e Portugal ficaram horas sem energia nesta segunda-feira

Passageiros com bagagem aguardam do lado de fora do aeroporto Humberto Delgado após apagão geral em Lisboa Passageiros com bagagem aguardam do lado de fora do aeroporto Humberto Delgado após apagão geral em Lisboa  - Foto: Patricia de Melo Moreira / AFP

É o pior cenário para o qual operadores de redes elétricas se preparam, mas esperam nunca enfrentar.

Após um dos piores apagões na Europa em mais de uma década, operadores das redes elétricas da Espanha e de Portugal estão tentando religar os sistemas do zero.

Mas o restabelecimento da luz tem sido lento e só há pouco alcançou Lisboa.

A estimativa inicial do operador de rede Red Eléctrica era de que restaurar todo o fornecimento de energia na Espanha poderia levar entre seis e dez horas

. Na noite de segunda-feira, essa previsão parecia otimista — às 21h no horário de Madri, havia 17,3 gigawatts de demanda na rede, cerca de dois terços do volume visto pouco antes do apagão, segundo dados da rede.

Não está claro o que causou a interrupção inicial, nem por que ela se espalhou de forma tão dramática, resultando em uma falha generalizada.

Mas é notável que a Espanha esteja entre os líderes na implantação de geração eólica e solar, em um momento em que governos e operadores de rede em toda a Europa estão lidando com questões sobre resiliência, à medida que a energia renovável ocupa uma fatia cada vez maior da matriz energética da região.

"Partida a frio"
Quando há uma falha em toda a rede, é necessário um processo complexo chamado “partida a frio” para restaurar o sistema gradualmente. Pequenos geradores, muitas vezes a diesel, são usados para iniciar os maiores, em um processo que cria “ilhas” de energia que se conectam na rede de transmissão principal para, gradualmente, restaurar a rede.

Regras europeias exigem que as redes testem regularmente sua capacidade de partida a frio, então os operadores deveriam ter um plano claro a seguir. Mas o processo é trabalhoso e complicado.

— Essas ilhas de energia precisam ser todas sincronizadas —, disse Simon Gallagher, diretor administrativo da UK Network Services, em uma publicação no LinkedIn. — Não é simples e, novamente, leva tempo e deve ser feito com muito controle.

Serviços essenciais, como hospitais, possuem geradores de backup no local, geralmente motores a diesel e estoques de combustível.

Outras entidades comerciais, como centros de dados, também pagam para ter geradores de emergência e baterias para garantir o fornecimento.

Apagões anteriores
Colapsos de rede são extremamente raros, e os operadores geralmente fazem tudo o que podem para evitá-los, incluindo a implementação de cortes programados de energia para proteger o sistema. A última vez que ocorreu um apagão nessa escala na Europa foi em 2006, quando uma interrupção afetou 15 milhões de residências na Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha.

Desde então, a energia renovável cresceu rapidamente em toda a região, criando mais desafios para os operadores de rede equilibrarem enormes oscilações de fornecimento em dias ensolarados ou com muito vento.

A frequência foi um fator principal nos apagões do Texas durante uma tempestade de inverno extrema em fevereiro de 2021.

O clima congelante e o gelo forçaram o desligamento em massa de usinas de gás, fazendo a frequência despencar e provocando a queda em cascata de outras usinas, resultando em falhas generalizadas.

Até agora, a única informação sobre o que causou a crise foi um comentário do operador de rede Red Eléctrica de que o apagão foi resultado de uma “oscilação”, o que sugere uma perturbação na frequência ou na tensão da rede — ambos fatores cruciais para manter a estabilidade.

A frequência, que normalmente se mantém estável em torno de 50 hertz, é o batimento cardíaco da rede.

A consultoria especializada em monitoramento de frequência Gridradar afirmou ter identificado um movimento rápido na frequência logo após o meio-dia na Espanha — imediatamente antes do apagão ocorrer. Tais oscilações podem provocar reações em cadeia que, em última instância, levam a um apagão.

Não se sabe o que causou a perturbação inicial. Mas é possível que tenha sido agravada pela grande participação de fontes renováveis na geração de energia naquele momento.

Para manter a frequência correta e garantir a estabilidade, a rede precisa de energia cinética, gerada pelas turbinas giratórias de usinas térmicas

. Essa energia cinética não pode ser fornecida por turbinas eólicas ou painéis solares, de modo que Espanha e Portugal necessitam ter usinas de carvão, gás ou hidroelétricas conectadas.

Conexões frágeis
Outro ponto de vulnerabilidade para a Espanha é a falta de interconexões, ou seja, ela não possui muitos dos grandes cabos de energia que a conectem a países vizinhos.

Essas linhas, que permitem importações e exportações de energia, são vistas na Europa como um meio de aumentar a segurança energética.

Para a Espanha, isso significa que, se houver excesso de energia, como em um dia ensolarado, existem poucas rotas para escoar essa energia da rede.

E, se faltar energia, há poucas opções para que vizinhos ajudem.

Veja também

Newsletter