Escalado pelo Palácio do Planalto, Haddad assume discurso de combate ao crime organizado
Ministro tem atuado em defesa de projetos do governo e comentado operações da Receita Federal
Mesmo que não seja sua área de atuação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem despontado como um dos principais porta-vozes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no combate ao crime organizado.
Não só se tornaram frequentes nos últimos meses declarações do ministro sobre o assunto, como ele tem participado ativamente da articulação no Congresso sobre a agenda de segurança pública, pauta que sempre foi o "calcanhar de Aquiles" para a esquerda brasileira.
O protagonismo do chefe da equipe econômica atende a um pedido do Palácio do Planalto, mas também é considerado natural, já que a Receita Federal, órgão da Fazenda, tem participado ativamente de investigações contra esquemas criminosos bilionários, como na Operação Poço de Lobato, deflagrada na quinta-feira (27).
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Assim como na agenda tributária, Haddad tem defendido que é preciso combater o “andar de cima” do crime, asfixiando financeiramente as organizações criminosas.
Punição à sonegação
Um exemplo da atuação do ministro no tema da segurança pública foi dado nesta quinta-feira. Ao comentar a Operação Poço de Lobato, Haddad fez um apelo pela aprovação de propostas que visam “reorganizar” o combate ao crime organizado no país.
Um deles, o que pune o chamado devedor contumaz, vem sendo defendido pela Fazenda desde o começo do governo e visa a estabelecer punições mais severas para empresas que deixam de pagar tributos de forma reiterada e sem justificativa como uma estratégia de negócio.
A proposta já recebeu aval dos senadores e estava parada na Câmara até esta quinta-feira. Horas depois da declaração de Haddad, o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) para relatar o texto.
Alvo da operação desta quinta, o grupo Fit, da Refinaria de Manguinhos, foi classificado pela Receita como o “maior devedor contumaz do país”, com uma dívida tributária superior a R$ 26 bilhões aos cofres estaduais e federais. Foram cumpridos 126 mandados de busca e apreensão contra pessoas físicas e jurídicas em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia.
Segundo a investigação, que abrange todos os níveis da cadeia de combustível, o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores para ocultar e blindar lucros.
A análise dos fundos identificou a participação de entidades estrangeiras como sócias e cotistas, que foram constituídas em Delaware (EUA), um paraíso fiscal. De acordo com o Fisco, a prática é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos. A empresa não se manifestou ao longo do dia ontem.
"Para continuarmos o nosso trabalho, precisamos abrir essas duas frentes. Primeiro devedor contumaz. É um apelo que eu faço aqui", disse Haddad.
"O ministro Lewandowski e eu levamos ao presidente Lula a necessidade de negociações que estão sendo bem-sucedidas incluir a pauta da lavagem de dinheiro e da exportação ilegal de armas para o Brasil", completou o ministro.
PL Antifacção
Haddad também defendeu a aprovação do PL Antifacção, do texto que endurece a punição contra o crime de receptação e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da segurança pública.
"São diplomas legais que reorganizam o país para combater o andar de cima. Todo mundo reconhece que, se não asfixar financeiramente as organizações criminosas, vai ter uma reposição de mão de obra barata na base e não vai se ter controle. Precisamos atuar também pelo andar de cima, porque é o andar de cima que irriga as atividades criminosas com bilhões de reais".
De autoria do governo, o projeto Antifacção foi modificado na Câmara pelas mãos do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que se licenciou do cargo de secretário de segurança pública do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo somente para relatar o texto. Para contestar as mudanças, Haddad foi um dos ministros escolhidos pelo Planalto para fazer o enfrentamento público contra a versão de Derrite, apontando que as mudanças poderiam fragilizar o trabalho da Receita e da Polícia Federal.
"Estão abrindo o caminho para consolidação do crime organizado no país, com enfraquecimento da Receita Federal e da Polícia Federal. É um contrassenso. Agora que começamos a combater andar de cima do crime organizado você vai fazer uma lei protegendo o andar de cima do crime organizado? Qual o sentido disso?", disse Haddad durante as discussões na Câmara.
Mesmo depois de diferentes pareceres, o texto final aprovado pelos deputados ainda desagrada o governo, que vai tentar retomar ao menos partes do projeto original no Senado, de novo com a ajuda do ministro da Fazenda. Haddad disse que se reuniu nesta quarta-feira com o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do projeto na Casa.
"Estive ontem com o senador Alessandro Vieira, que é uma pessoa equilibradíssima, e entendeu os pontos necessários para que possamos harmonizar as duas Casas em torno de um projeto que represente a vontade de todo país, como foi feito nas duas reformas tributárias".

