Governo avalia linha emergencial de crédito a exportadores em plano de contingência contra tarifaço
Haddad disse que Brasil vai insistir na negociação, mas que ainda não houve resposta das autoridades americanas
O "plano de contingência" contra o tarifaço de Donald Trump, mencionado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode incluir a criação de linhas emergenciais de crédito por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com auxiliares do petista.
Na avaliação de integrantes do governo, é preciso garantir um financiamento emergencial de alguns setores, especialmente aqueles mais atingidos pelas tarifas de 50% contra produtos brasileiros. O entendimento é de ser difícil direncionar toda a exportação, diante do volume, ou introduzí-la no mercado interno.
Nesta segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, em entrevista à rádio CBN, que o governo trabalha com a possibilidade de a sobretaxa sobre todos os produtos brasileiro entrar mesmo em vigor no dia 1º de agosto. Por essa razão, já existem planos de contingência para esse cenário.
Auxiliares do presidente destacam que esse plano deve ocorrer em várias frentes. Um deles é a procura urgente por novos mercados para desovar seus produtos, como México e Canadá.
As empresas também negociam com os compradores a divisão do custo do imposto, especialmente em cargas que saíram do Brasil. Como os setores são diferentes entre si, as medidas são pontuais.
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Pessoas que acompanham de perto as discussões afirmam que encontrar outros mercados é uma tarefa hercúlea. O motivo é que o mundo inteiro está sendo sobretaxado pelos EUA. Fazer cálculos sobre destinos das exportações brasileiras e estabelecer de onde trazer peças para o processo produtivo no Brasil são grandes dificuldades enfrentadas.
Questionado nesta segunda sobre uma possível linha de crédito para os setores, o ministro disse que pode ser necessário "recorrer a instrumentos de apoio a setores que, injustamente, estão sendo afetados".
Um modelo mencionado por técnicos do governo é o que foi adotado para mitigar os impactos das chuvas no Rio Grande do Sul, no ano passado. Naquele momento, foram liberados R$ 5 bilhões para alavancar empréstimos a juros mais baixos. Agora, para fazer o mesmo, seria necessário editar um crédito extraordinário, ou seja, fora das regras fiscais, de acordo com entendimento de parte dos técnicos.
Desde a semana passada, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, vem se reunindo com representante do setor privado. De forma geral, os empresários pedem que o governo evitem a retaliação e busquem o diálogo. Nessas reuniões, o estrago para os produtores também está sendo mapeado.
Se a opção for pela retaliação, o caminho deve pela quebra de patentes, cassação de direitos autorais e tributação de obras, como filmes e livros produzidos nos EUA. Aumentar tarifas de importação de produtos americanos é algo indesejado, pois pode prejudicar a produção nacional.
— Podemos chegar no dia primeiro sem resposta? Esse é um cenário que nós não podemos, nesse momento, desconsiderar, estamos considerando inclusive este cenário, mas não é o único cenário que está sendo considerado por nós — disse Haddad em entrevista à rádio CBN nesta segunda.
Ele reiterou, no entanto, que o Brasil continuará insistindo nas negociações com os EUA.
— O Brasil não vai sair da mesa de negociação [...] estamos engajados permanentemente. Mandamos uma segunda carta na semana passada, em acréscimo à de maio, (para a qual) não tivemos resposta até agora, mas nós vamos insistir na negociação comercial para que nós possamos encontrar um caminho de aproximação entre os dois países.
Segundo Haddad, diante das incertezas externas, o governo trabalha com vários cenários e planos de contingências diferentes.
— Estamos nos preparando para vários cenários [...] A pedido do presidente Lula estamos desenhando cenários possíveis, tanto da abertura de negociações por parte dos EUA, que não aconteceram ainda, uma resposta eventual às duas cartas que nós mandamos — disse o ministro.
Respostas
Entre as opções consideradas pelo governo, está a aplicação da lei da reciprocidade, que permite que o Brasil aplique medidas econômicas contra países que imporem barreiras comerciais unilaterais. Haddad diz que a equipe econômica estuda, inclusive, uma forma de calibrar a medida que será tomada, por exemplo, sem aplicar taxas aos bens de consumo americanos importados:
— Nesse plano de contingência, estamos exatamente levando à consideração do presidente os prós e contras de cada medida, porque tem medida que vai ferir mais a economia brasileira do que ajudar, e o nosso objetivo não é retaliar, é chamar atenção para o fato de que essas ações são contraproducentes, não colaboram nem com eles, nem conosco.
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Segundo o ministro, ainda não houve resposta das autoridades americanas aos contatos feitos pelo governo brasileiro para negociação das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Questionado se o governo traça alguma estratégia para ajudar os setores que serão afetados pelo tarifaço, Haddad disse que o Brasil está se preparando para o cenário em que isso será necessário.
— Em uma situação como essa, de agressão externa, o Ministério da Fazenda se prepara para todos os cenários, então temos planos de contingência para qualquer decisão que vá ser tomada pelo presidente da República. Mas eu repito que o Brasil não vai sair da mesa de negociação [...] agora, o plano de contingência nós somos obrigados a fazer. Pode ser que tenhamos que recorrer a setores de apoio que injustamente estão sendo afetados.
Segundo Haddad, o governo tomará as medidas necessárias diante da decisão do governo dos Estados Unidos, e pode redirecionar "boa parte" da exportação destinada aos EUA para outros países.
— Vamos estar na mesa de negociação, mas não vamos deixar ao desalento os trabalhadores brasileiros, nós vamos tomar medidas necessárias, mais da metade do que exportamos para os EUA nós podemos reendereçar para outros países, mas isso leva um tempo. [...] Nós vamos redirecionar boa parte dessa produção, mas isso leva tempo — considerou o ministro da Fazenda.
Como mostrou O Globo, no entanto, a discussão sobre a taxação de big techs voltou ao radar do governo após a imposição as tarifas por Trump e foram mencionadas em declarações de Lula na última quinta. A equipe econômica considera a implementação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) como a principal alternativa para a tributação dessas companhias de serviços digitais.
Aposta na negociação
Após o acirramento de tensões com Estados Unidos, o Ministério da Fazenda mantém como principal aposta a negociação sobre as tarifas impostas às importações de produtos brasileiros.
A pasta avalia que ainda há espaço para negociação sobre a taxação de 50% adotada por Washington, que entra em vigor no dia 1º de agosto, mesmo com a escalada de tensão entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto.
Neste sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como "inaceitável" a revogação do visto de entrada nos EUA pelo governo de Donald Trump do ministro do Supremo Tribunal Federal ( STF) Alexandre de Moraes, de outros magistrados da Corte e do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.
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A retirada dos vistos foi anunciada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, nesta sexta-feira pelas redes sociais após Moraes impor medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica.
Ao justificar a decisão, Marco Rubio afirmou que presidente Donald Trump "deixou claro que seu governo responsabilizará estrangeiros responsáveis pela censura de expressão protegida nos Estados Unidos". O próprio Trump já havia relacionado à imposição de tarifas ao Brasil às investigações da Justiça brasileira contra Bolsonaro

