Governo detalha pacote de socorro a exportadores afetados pelo tarifaço. Entenda
Crédito do Plano Brasil Soberano vai incluir, além dos R$ 30 bi já anunciados, um valor adicional de R$ 10 bilhões
Uma semana depois do lançamento do pacote de socorro a exportadores afetados pelo tarifaço de 50% a produtos brasileiros imposto por Donald Trump, o governo detalhou as condições de acesso a crédito do Plano Brasil Soberano.
As linhas de financiamento chegam a R$ 40 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões virão do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) e R$ 10 bilhões serão de recursos do BNDES. O valor do empréstimo será destinado a capital de giro e a investimentos na compra de máquinas, além da abertura de novos mercados.
Os R$ 10 bilhões em recursos próprios foram uma novidade apresentada ontem pelo BNDES. Na véspera, o presidente do banco, Aloizio Mercadante, havia afirmado que haveria “surpresas importantes” no crédito emergencial.
Manutenção de empregos
De acordo com Mercadante, a prioridade é o crédito incentivado a todas as empresas que tiveram prejuízo com perda de capacidade de exportação de ao menos 5% do faturamento bruto:
— Quem perdeu mais de 5% de seu faturamento é a prioridade. A orientação do presidente é que ninguém fique para trás — afirmou em entrevista, que contou com Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento.
Segundo Mello, da Fazenda, o período considerado para análise do faturamento será de julho de 2024 a junho de 2025, de acordo com definição da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento. Ele reforçou que as empresas beneficiadas com as linhas vão precisar comprovar manutenção do número de empregos.
A referência inicial será a média dos valores entre o último dia útil de julho de 2024 e o último dia útil de junho de 2025.
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— Estamos oferecendo crédito para apoiar essas empresas a se recuperarem — disse ele, lembrando que a fonte será o e-Social. — A maior demanda é por capital de giro.
Nelson Barbosa, diretor do BNDES, explicou que serão quatro linhas com recursos do FGE. A primeira é a de Capital de Giro, ou seja, gastos operacionais e terá taxa fixa de juros de 0,66% ao mês para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) e de até 0,82% ao mês (ou 10,31% ao ano) para as grandes companhias.
O prazo será de até cinco anos, incluindo até um ano de carência. O crédito para capital de giro estará disponível para quem perdeu até 5% do faturamento em razão do tarifaço.
Empresas com perdas iguais ou superiores a 20% poderão acessar outras três modalidades de crédito. Uma delas é a Giro Diversificação, para abertura de novos mercados, com taxa de até 0,66% ao mês (ou 8,2% ao ano) e prazo de até cinco anos, com um de carência. O limite de crédito é de R$ 35 milhões para MPMEs e até R$ 200 milhões para grandes companhias.
Outra alternativa é a linha Bens de Capital, para compra de máquinas, com taxa de juro de até 0,58% ao mês (ou 7,2% ao ano) para todas as empresas. O valor máximo por empresa é de R$ 150 milhões e prazo de cinco anos. Há ainda a linha Investimento, para inovação tecnológica, adaptação da atividade produtiva e adensamento da cadeia de produção.
A taxa também será de até 0,58% ao mês e valor máximo de R$ 150 milhões, mas o prazo será de até dez anos.
Além dessas opções, o banco anunciou duas linhas de crédito próprias, no valor total de R$ 10 bilhões. Segundo Barbosa, poderão acessar o empréstimo empresas afetadas com qualquer percentual de tarifa praticada pelos EUA.
Nesse caso, há o Giro Emergencial Complementar (para gastos operacionais gerais), que terá taxa de juros de 1,15% ao mês mais spread bancário; e o Giro Diversificação Complementar (para busca de novos mercados), com juros de 0,29% ao mês com variação do dólar e spread bancário.
Aprovação em setembro
O presidente do banco lembrou que na tragédia do Rio Grande do Sul foram injetados R$ 29 bilhões na economia com crédito direto e indireto. Segundo Mercadante, as aprovações do crédito começam em setembro:
— Nossa expectativa é que, a partir de 4 de setembro, os empresários comecem a procurar os bancos com os quais eles já trabalham. Nossa avaliação é que, a partir de 15 de setembro, a gente comece a ter as primeiras aprovações no BNDES — disse, ponderando que pode haver algum atraso, mas a ideia é agilizar a concessão e, para isso, o banco vai contar com a lista de empresas mais afetadas, elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento e pela Receita Federal.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, afirmou que o risco é o uso mais ostensivo dos benefícios, abrindo muito o escopo do pacote. Ele diz que oferecer empréstimo com taxa de juro subsidiada, menor que a do mercado, era esperado diante do choque tarifário:
— É natural que acontecesse, está dentro do esperado. Mas precisa ter uma ideia clara do período, e não se deixar levar pela tentação, em ano eleitoral, de estender o prazo desses financiamentos.
Ainda resta saber, diz, qual será o tamanho da equalização de taxa de juros (diferença entre os juros que o governo paga para se financiar e o cobrado nesses empréstimos) e o do crédito extraordinário que será necessário para atender a ajuda do governo.
José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, diz que a prioridade a pequenas e médias empresas é acertada, já que as grandes têm mais condições de superar a crise. Ele diz que R$ 30 bilhões não são suficientes, mas a ajuda é bem-vinda:
— Com o decorrer das liberações, talvez se permita usar mais recursos.
Eduardo Lobo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), ficou satisfeito com as condições:
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, disse que as linhas ajudam, mas não resolvem totalmente os problemas para o setor calçadista:
— Como uma atividade intensiva em mão de obra, que emprega mais de 290 mil pessoas, necessitamos de medidas de proteção ao emprego. A empresa que deixa de atender seu principal mercado internacional, os EUA, não vai conseguir manter empregos com mais dívidas a pagar.
— A promessa é liberação a partir de setembro. Se o empresário até a primeira quinzena de dezembro tiver o crédito, o plano terá sucesso.
Problema é não conseguir pagar a conta
A PG4 Galleria, fabricante de calçados de Franca (SP), avalia que o plano de socorro não resolve a crise do setor calçadista. Entre as ações anunciadas estão linhas de crédito mais baratas, prorrogação de impostos, incentivos à exportação e compras públicas.
— Ninguém quer dinheiro emprestado para depois não ter como pagar essa conta. Já colocamos isso na pauta com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, de alguns ajustes, pelo menos para a indústria calçadista — afirma Giuliano Spinelli, sócio-diretor da empresa.
A PG4 produz 900 pares por dia e pode ter de demitir 20% de seus 150 funcionários no primeiro semestre de 2026. Spinelli afirma que a redução de pessoal será inevitável caso não haja mudança na tarifa de 50% que os EUA, seu principal mercado, impôs a produtos brasileiros. A empresa exporta 25% de sua produção para lá.
Ele questiona, por exemplo, o Reintegra, que devolve aos exportadores brasileiros parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva, na forma de crédito tributário, ajudando a reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado externo:
— Sugerimos que pelo menos voltem um período de dois anos para trás para as empresas que já exportam, porque isso daria fôlego financeiro. Para nós, o Brasil Soberano ainda está com as pontas desconectadas.
A PG4 está no mercado há 19 anos e é especializada em sapatos masculinos de maior valor agregado.

