Sáb, 06 de Dezembro

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TECNOLOGIA

Inteligência artificial já está fazendo o trabalho até de colônia de abelhas. Entenda

Colmeias robóticas são a nova inovação no campo para proteger a produção agrícola

AbelhasAbelhas - Foto: @wirestock/Freepik

Levantar a tampa de uma colmeia da Beewise dá mais a sensação de que você vai examinar o motor de um carro do que visitar algumas milhares de abelhas.

A unidade — chamada de BeeHome — é uma versão industrializada das tradicionais colmeias de madeira, toda revestida de metal branco e painéis solares. No interior, há um scanner de alta tecnologia e um braço robótico alimentado por inteligência artificial.

Cerca de 300 mil dessas unidades estão em uso nos Estados Unidos, espalhadas por campos de amêndoas, canola, pistache e outras culturas que dependem da polinização para crescer.

 

Não é exatamente a visão romântica de uma colmeia ou de um apicultor que faz parte do imaginário coletivo, mas isso pouco importa: o que vale é manter as abelhas vivas. E as unidades da Beewise fazem isso de forma muito mais eficiente do que as colmeias tradicionais, fornecendo informações constantes sobre a saúde da colônia e permitindo a aplicação de tratamentos caso haja sinais de declínio.

Os EUA têm registrado um aumento alarmante no número de colônias dizimadas desde meados dos anos 2000, enquanto os apicultores lutam para enfrentar o avanço de ácaros transmissores de doenças, extremos climáticos e outros fatores de estresse que podem aniquilar as colônias.

Isso coloca em risco bilhões de dólares em culturas, de amêndoas a abacates, que dependem desses polinizadores. O último ano teve as piores perdas de colônias já registradas. A Beewise já arrecadou quase US$ 170 milhões, incluindo uma rodada Série D de US$ 50 milhões no início deste mês, e tem um plano para transformar o setor.

IA e robótica são capazes de substituir “90% do que um apicultor faria no campo”, afirmou Saar Safra, CEO e cofundador da Beewise. A questão agora é saber se os apicultores estão dispostos a trocar os equipamentos tradicionais.

No fim das contas, o destino dos humanos está ligado ao das abelhas. Aproximadamente 75% das culturas dependem de polinizadores, com nozes e frutas sendo particularmente dependentes. Embora outras espécies de abelhas e insetos também desempenhem um papel, elas não conseguem substituir as abelhas melíferas.

“Basicamente, não haveria colheita sem as abelhas”, disse Zac Ellis, diretor sênior de agronomia da OFI, uma empresa global de alimentos e ingredientes.

As colmeias quase não passaram por inovações tecnológicas em 170 anos. A colmeia Langstroth, batizada em homenagem ao reverendo americano que a patenteou em 1852, é uma simples caixa de madeira com quadros que abrigam a rainha, as operárias, as larvas e o mel.

“As colmeias Langstroth são fáceis de trabalhar, desmontar, montar, manipular os quadros, fazer divisões” e transportar, disse Priya Chakrabarti Basu, pesquisadora de abelhas da Universidade Estadual de Washington.

Essas caixas são a base da indústria agrícola e das culturas de alto valor que dependem fortemente das 2,5 milhões de colmeias comerciais que cruzam os EUA em caminhões. Apicultores com milhares de colmeias viajam de lugares tão distantes quanto a Flórida para prestar serviços de polinização para a safra de amêndoas de US$ 3,9 bilhões da Califórnia na primavera, antes de seguir para outros estados e culturas.

“As amêndoas são um dos maiores eventos de polinização do mundo”, disse Ellis, que utiliza as colmeias da Beewise em 30% das áreas que administra. “Normalmente, um produtor precisa de duas colmeias por acre”, cada uma com até 40 mil abelhas.

Para polinizar os 10 mil acres de amêndoas (cerca de 4 mil hectares), nozes e pistaches sob sua gestão, são necessárias milhões de abelhas fazendo o trabalho principal de polinização.

O número de colmeias e a demanda criaram um problema: os apicultores só conseguem verificar a saúde das colônias a cada uma ou duas semanas. Mas o número crescente de ameaças às abelhas significa que colônias inteiras podem ser dizimadas ou ficar comprometidas além do ponto de recuperação em poucos dias.

Pesticidas tóxicos, um clima em mudança e um aumento acentuado do ácaro varroa — invasivo e transmissor de doenças — desde os anos 1980 contribuíram para o aumento do chamado distúrbio do colapso das colônias. O papel exato de cada um desses fatores na dizimação das colônias ainda é incerto, mas eles provavelmente interagem entre si, agravando o problema.

“Raramente você vai encontrar uma abelha que esteja, por exemplo, apenas estressada por um ácaro, ou apenas por uma doença, ou apenas por má nutrição”, disse Chakrabarti Basu. “É sempre uma combinação.”

Os impactos, no entanto, são claros. No período de 12 meses iniciado em abril do ano passado, mais de 56% das colônias comerciais foram dizimadas, segundo a Apiary Inspectors of America. Os apicultores sofreram um grande prejuízo econômico: entre junho do ano passado e março, as perdas de colônias custaram aos apicultores cerca de US$ 600 milhões, segundo a Honey Bee Health Coalition.

Embora um novo design de colmeia, por si só, não seja suficiente para salvar as abelhas, as colmeias robóticas da Beewise ajudam a reduzir as perdas ao fornecer um fluxo quase constante de informações sobre a saúde das colônias em tempo real — além de dar aos apicultores a capacidade de responder rapidamente a problemas. Equipadas com uma câmera e um braço robótico, as unidades são capazes de tirar imagens regulares dos quadros dentro do BeeHome, que Safra comparou a uma ressonância magnética. A quantidade de dados captados é impressionante.

Cada quadro contém até 6 mil células onde as abelhas podem, entre outras funções, gestar larvas ou armazenar mel e pólen. Uma colmeia pode ter até 15 quadros, e um BeeHome pode abrigar até 10 colmeias, gerando milhares de pontos de dados para a IA da Beewise analisar.

Enquanto um apicultor treinado pode olhar rapidamente para um quadro e avaliar sua saúde, a IA faz isso ainda mais rápido, além de analisar informações sobre abelhas individuais nas fotos. Caso a IA detecte um sinal de alerta, como falta de novas larvas ou presença de ácaros, os apicultores recebem uma notificação via aplicativo informando que a colônia precisa de atenção. A tecnologia da empresa rendeu um prêmio BloombergNEF Pioneers no início deste ano.

“Existem outras tecnologias que já testamos que também podem fornecer algumas dessas métricas, mas elas basicamente mostram o que já aconteceu”, disse Ellis. “O que realmente nos atraiu na Beewise foi a capacidade deles de não apenas entender o que está acontecendo na colmeia, mas de agir com base nessas diferentes métricas.”

Isso inclui administrar medicamentos e alimentos, além de abrir e fechar saídas de ar para regular a temperatura ou proteger contra a pulverização de pesticidas. Safra destacou que, após dois furacões atingirem a Flórida no ano passado, os BeeHomes no estado continuaram operando, enquanto muitas colmeias de madeira foram destruídas.

Essa durabilidade e capacidade de resposta convenceram Ellis a ampliar o uso das unidades. Atualmente, os BeeHomes estão presentes em 30% das suas áreas, mas ele afirmou que, dentro de três anos, a meta é atingir 100% de cobertura. Resta saber, porém, se outros produtores e apicultores estarão tão dispostos a fazer a mudança, considerando quase dois séculos de fidelidade ao design Langstroth.

A startup quer mais que triplicar o número de BeeHomes em operação, chegando a 1 milhão em três anos.

“Estamos em uma corrida contra o tempo”, disse Safra. “Podemos ter o melhor produto do planeta em 15 anos, mas isso não vai importar” se não houver mais abelhas.

Ellis comparou as colmeias a um Ritz-Carlton para polinizadores. A estadia cinco estrelas parece agradar às abelhas: a Beewise afirma que suas unidades — que ela aluga para fornecer serviços de polinização a preços que diz serem de mercado — apresentaram perdas de colônia de cerca de 8%. Isso representa uma queda significativa em relação à taxa média anual de mais de 40%, segundo a Apiary Inspectors of America, grupo que acompanha a saúde das colônias.

“O ativo são as abelhas, esse é o bem que gera receita”, disse Safra, ressaltando que perder mais de 40% desses ativos dificulta para as empresas cobrir os custos de mão de obra para manutenção das colmeias, transporte em caminhões e outras despesas fixas.

A Beewise espera alcançar US$ 100 milhões em receita este ano, e Safra disse que a empresa está a um ano de atingir a lucratividade. A companhia preferiu não divulgar sua avaliação na Série D.

Há concorrência no setor de tecnologias para salvar as abelhas. Algumas empresas, como a Dalan Animal Health, estão desenvolvendo vacinas para proteger as abelhas contra doenças. A BeeHero e a Beeflow (percebeu um padrão nos nomes?) estão entre as que oferecem sensores para monitoramento da saúde das colmeias e dos campos. Ambas podem ajudar a melhorar os resultados nas colmeias Langstroth, mas ainda exigem manutenção regular por parte dos apicultores.

Chakrabarti Basu, da Universidade Estadual de Washington, e seus colegas também estão trabalhando no uso da IA para detectar abelhas entrando nas colmeias. “Quanto mais conjuntos de dados pudermos fornecer, melhor será o treinamento”, disse ela. “Reconhecimento de padrões — pode ser o monitoramento de um quadro de cria, pode ser qualquer coisa para estimar a saúde da colônia ou qualquer aspecto da saúde da colônia — acho que a IA provavelmente vai melhorar nisso.”

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