Salário termina antes do fim do mês para 54% dos brasileiros, aponta pesquisa
A pesquisa ouviu 1.029 funcionários de empresas públicas e privadas nos regimes CLT e/ou PJ e revelou dados preocupantes. Um deles mostra que 75% dos entrevistados não têm condição de arcar com uma despesa excepcional de R$10 mil
A velha constatação de que o salário termina antes de o mês acabar continua válida para a maioria dos brasileiros. Neste ano, 54% dos trabalhadores com registro em carteira ou que atuam como Pessoa Jurídica (PJ) não têm conseguido chegar até o final do mês com o salário na conta bancária, aponta uma pesquisa sobre a saúde financeira e bem-estar do trabalhador brasileiro, realizada pela SalaryFits, empresa da Serasa Experian.
O resultado deste ano é o menor registrado desde o início da série da pesquisa, em 2018. Em 2024, o salário acabava antes de o mês terminar para 62% dos trabalhadores, uma diferença de oito pontos porcentuais ante 2025. Apesar do recuo, diz o CEO da SalaryFits, Délber Lage, a fatia de brasileiros que não consegue fazer frente às despesas com o salário ainda é elevada.
A pesquisa ouviu 1.029 funcionários de empresas públicas e privadas nos regimes CLT e/ou PJ e revelou dados preocupantes. Um deles mostra que 75% dos entrevistados não têm condição de arcar com uma despesa excepcional de R$10 mil. Além disso, 66% tiveram algum problema financeiro nos últimos cinco anos e 33% foram negativados no último ano. Desses, 17% ainda enfrentam problemas financeiros.
"A maioria está no limite do seu orçamento e apenas 25% têm uma folga para bancar despesas extras", afirma Lage. Na análise do executivo, diante das elevadas taxas de juros, há carência de fontes sustentáveis de crédito no curto prazo.
Leia também
• Cinco em cada dez brasileiros não chegam ao fim do mês com salário na conta, mostra pesquisa
• Lula diz que salário de R$ 46 mil "não é muito" para um presidente
• Boulos pede que bolsonaristas obstruindo a Câmara não recebam salário
Fiado e pré-datado
Nos anos 1990, lembra ele, o brasileiro contava com dois instrumentos de crédito que hoje não existem mais: "a caderneta da mercearia da esquina, que virou Carrefour Bairro - e não permite 'pendurar' a conta -, e o bom e velho cheque pré-datado"
Hoje, quem obtém esse crédito de curto prazo é o brasileiro de renda mais alta, que tem um limite de cartão razoável e consegue casar a data de fatura do cartão com a data do salário.
A camada de renda mais baixa não tem essa alternativa de crédito de curto prazo. "Isso explica muito os 54% que têm dificuldade de fechar a conta no final do mês."
Camila Abdelmalack, economista da Serasa Experian, destaca que o peso das dívidas básicas no orçamento das famílias aumentou de 25,8% da renda em maio de 2024 para 27,3% em abril de 2025, segundo o Banco Central. Além disso, a inflação ainda elevada em itens essenciais, como a energia elétrica, e em serviços continua pressionando as finanças domésticas, mesmo diante da melhora no mercado de trabalho e do crescimento real da renda dos trabalhadores.
Destino do salário
Gastos com itens essenciais, como alimentação, e pagamento de contas básicas, como água e luz, são os principais destinos do salário dos brasileiros que estão com orçamento apertado, com 77% e 71%, respectivamente, aponta a pesquisa.
Na sequência aparecem despesas menos essenciais, como o financiamento de imóveis e veículos (52%), empréstimos (36%), consumo de roupas e utilidades (33%) e gastos com estudo (20%).
Jeanderson dos Santos, de 32 anos, trabalha com carteira assinada na área de telemarketing. Ele ganha R$ 1,8 mil por mês e logo que o dinheiro entra, a sua conta bancária fica zerada. "Recebo no quinto dia útil e no sexto dia tudo já foi embora", diz ele.
Entre as contas básicas que consomem instantaneamente a sua renda estão despesas com luz, água, celular, internet, cartão de crédito e empréstimo bancário, por exemplo.
Para ter algum dinheiro no bolso, depois que o salário acaba, Santos passou a fazer bicos como DJ aos finais de semana. Dependendo do mês, consegue tirar entre R$ 1 mil e R$ 1,4 mil por mês. "Isso ajuda a segurar as contas."
Bicos e educação financeira
A pesquisa mostra que da parcela de 54% dos brasileiros que não conseguem chegar com o salário até o fim do mês, 49%, como Santos, utilizam fontes de renda extra para fechar as contas e não ficar no vermelho. Boa parte recorre ao uso de linhas de crédito, como cartão (23%), cheque especial (12%) e empréstimo ou utiliza renda familiar.
Também existem aqueles que trabalham dobrado, como freelancer (8%), ou ainda buscam adiantamento salarial (3%). Mas há um grupo de 5% de trabalhadores em situação ainda mais crítica. Esse grupo não chega ao fim do mês com dinheiro nem tem alternativa de renda extra.
Segundo o CEO da SalaryFits, o risco de inadimplência para quem não chega até o fim do mês com dinheiro é maior. Entre as saídas para aliviar esse problema ele aponta implementar educação financeira e oferecer melhores produtos de crédito. "É preciso buscar soluções de crédito de curto prazo para aliviar a dor momentânea, além de melhorar o poder de compra do brasileiro."
Santos, por exemplo, ficou inadimplente no passado, e agora paga um financiamento que contraiu para renegociar a dívida de cerca de R$ 2 mil por conta da compra de itens de vestuário.
Apesar do aperto, ele diz que o hoje a situação está melhor em relação à de anos atrás. No momento, Santos pretende mudar de emprego para ganhar mais e busca mais educação financeira para disciplinar os gastos, a fim de escapar do risco de inadimplência que ameaça, sobretudo, os mais vulneráveis.

