Sáb, 06 de Dezembro

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ENCONTRO

"Todas as opções estão na mesa", diz secretário de Trump sobre possível ajuda à Argentina

Especialistas apontam que socorro americano poderia incluir restrições a operações de trocas de moedas com a China e até a instalação de base naval na Terra do Fogo

Milei vai se encontrar com Trump e com Bessent nesta terça-feira (23)Milei vai se encontrar com Trump e com Bessent nesta terça-feira (23) - Foto: Embaixada dos EUA na Argentina

O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, prometeu oferecer “todas as opções para estabilização” ao presidente argentino Javier Milei, enquanto o país sul-americano enfrenta uma onda de vendas de dólares que ameaça seus planos econômicos.

Bessent e o presidente Donald Trump conversarão com Milei em Nova York na terça-feira e “mais detalhes estarão disponíveis logo após essa reunião”, disse Bessent na segunda-feira em uma publicação no X.

As opções, segundo a agências de notícias Bloomberg, incluem a oferta de linhas de swap cambial, recompras diretas no mercado de câmbio e a emissão de dívida em dólares pelo fundo de estabilização cambial do Tesouro.

Depois que o presidente Javier Milei sugeriu que o governo argentino está negociando um empréstimo com o Tesouro dos Estados Unidos, diferentes especialistas analisaram quanto dinheiro poderia aportar o Fundo de Estabilização do Tesouro (ESF, na sigla em inglês) do governo americano e quais condições poderiam ser exigidas, tomando como antecedente a ajuda concedida ao México há 30 anos, durante a crise que ficou conhecida como ''efeito tequila''.

Em 1995, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, recorreu ao ESF para emprestar ao México US$ 20 bilhões, que se somaram a outros US$ 30 bilhões aportados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco de Compensações Internacionais (BIS) e outros bancos centrais.

No entanto, a assistência esteve atrelada a uma série de condições, lembrou ao jornal argenteino La Nación o diretor regional para os Estados Unidos e América Latina da Latam Advisors, Sebastián Maril.

Em meio a uma crise econômica, os Estados Unidos exigiram que o México cortasse os gastos públicos, reduzisse o déficit comercial, limitasse os salários do setor público, diminuísse a inflação por meio de crédito restritivo, usasse a maior parte dos dólares para refinanciar a dívida, destinasse recursos para sustentar o sistema bancário, tornasse transparentes as informações fiscais e monetárias e garantisse o empréstimo com receitas provenientes das exportações da estatal petrolífera Pemex.

No caso argentino, Maril destacou que pesa o fato de o país já manter um alto nível de dívida com o FMI e que o presidente Donald Trump enfrentaria forte oposição do Partido Democrata para avançar com uma ajuda.

— Um valor abaixo de US$ 10 bilhões seria mais fácil de conceder — avaliou.

Por sua vez, Héctor Torres, ex-representante argentino junto ao FMI, alertou que, caso o empréstimo seja concedido, os Estados Unidos provavelmente exigiriam não utilizar nem renovar o swap de moedas com a China – algo que já foi mencionado pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent –, permitir que a taxa de câmbio flutue e limitar o uso de reservas para intervir no mercado.

— Por fim, é importante lembrar que Trump, desde seu segundo mandato, tem se mostrado particularmente interessado em aumentar a presença dos Estados Unidos nos passos interoceânicos (Panamá, Groenlândia), portanto não seria descabido que, por exemplo, pretendesse instalar uma base naval na Terra do Fogo — apontou.

Enquanto isso, Javier Timerman, managing partner da Adcap Grupo Financeiro, considerou menos provável uma intervenção direta do Tesouro americano e estimou que o governo de Trump poderia optar por dizer: “Arranjem com o FMI e eu os apoio”.

— Creio que, se houver mais dinheiro, será por parte do Fundo, exigindo mudanças no modelo – liberar a taxa de câmbio, acumular reservas, impulsionar reformas, etc. –, mas não me fica claro que haja margem para mais ajuda. Se dependesse apenas do Fundo, não vejo mais recursos; agora, com Trump, nunca se sabe. Se decidir ajudar, deveria fazê-lo através do Fundo, embora isso leve tempo — acrescentou.

Brad Setser, pesquisador sênior do Conselho de Relações Exteriores (CFR), um think tank americano especializado em política externa, lembrou por meio de sua conta na rede social X que o ESF hoje conta com apenas US$ 22 bilhões líquidos.

Além disso, ele destacou que os Estados Unidos poderiam emprestar Direitos Especiais de Saque (DES) à Argentina ou convertê-los por meio do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, embora tenha opinado que, em princípio, um valor de US$ 30 bilhões (quantia que havia surgido em reportagens) parece “uma soma enorme para fazer com que o peso argentino volte a ser forte”.

Na sexta-feira, em uma entrevista em Córdoba ao jornal La Voz del Interior, Milei respondeu a uma pergunta sobre se se esperava uma injeção de fundos proveniente dos Estados Unidos.

— Tínhamos claro que este ano seria muito complicado e já havíamos começado a desenvolver estratégias para cobrir os pagamentos que a Argentina terá no próximo ano, que são US$ 4 bilhões em janeiro e US$ 4,5 bilhões em julho. Portanto, nós estamos trabalhando; essas negociações demandam tempo, mas, bom, até que esteja confirmado, não fazemos anúncios. Mas estamos trabalhando muito intensamente, estamos muito avançados e é também uma questão de tempo — declarou o presidente argentino.

Após 2 anos de ajuste fiscal: Milei anuncia aumento de gastos para 2026

Em um post na rede social X, Manuel Adorni, porta-voz da Casa Rosada, afirmou que, na terça-feira, Milei realizará uma reunião bilateral com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na cidade de Nova York, onde participada Assembleia Geral da ONU.

Por isso, segundo Adorni, começou a soar com força a opção de se utilizar o Fundo de Estabilização do Tesouro, ferramenta criada pelo governo dos EUA para enfrentar a crise dos anos 1930. O porta-voz da Casa Rosada lembrou que apenas em duas ocasiões o fundo foi utilizado para salvar um aliado da moratória: para o México na crise da tequila, em 1995, e para o Uruguai, em 2002, com um empréstimo de US$ 1,5 bilhão. No entanto, acrescentou Adorni, somente no primeiro caso se tratou de um empréstimo das dimensões que se discute hoje na Argentina.

O apoio dos EUA se somaria ao programa de US$ 20 bilhões da Argentina com o Fundo Monetário Internacional, que Milei concluiu em abril e que Bessent chamou de “dia crucial” durante uma rara visita de um secretário do Tesouro americano à nação propensa a crises.

Na ocasião, Bessent minimizou as chances de Milei precisar gastar recursos para defender o peso.

— A coisa boa de ter o dinheiro é que, quanto maior for o seu caixa de guerra, menos provável será que você precise intervir — disse Bessent em uma entrevista em Buenos Aires na ocasião. — Vai funcionar como um mecanismo de suavização. Vou acompanhar isso de perto.

O banco central de Milei vendeu US$ 1,1 bilhão ao longo de três dias na semana passada para sustentar o peso no mercado cambial argentino, em meio uma disparada do dólar frente ao peso. O acordo com o FMI previa que injeções diretas de recursos no mercado de câmbio só poderiam ocorrer quando as cotações do dólar superassem os limites da banda cambial do país — o que ocorreu por três dias seguidos.

Os investidores ficaram mais preocupados nas últimas semanas depois que um escândalo de suborno atingiu Karina, irmã e principal assessora de Milei, e, em seguida, seu partido sofreu uma derrota nas eleições provinciais de Buenos Aires por ampla margem.

Além de queimar valiosas reservas de moeda forte para defender o peso, o governo de Milei anunciou na segunda-feira uma suspensão temporária das tarifas de exportação de grãos, numa tentativa de atrair mais dólares.

As eleições de meio de mandato na Argentina, em 26 de outubro, serão o maior teste eleitoral de Milei desde que assumiu a presidência em 2023, e as pesquisas mostram que sua taxa de desaprovação está em alta, enquanto a vantagem de seu partido sobre a oposição peronista foi reduzida pela metade. Além das acusações de suborno e da derrota esmagadora nas eleições provinciais, os rivais de Milei no Congresso derrubaram alguns de seus vetos a gastos populares, como em educação e saúde, aumentando as preocupações dos investidores sobre sua capacidade de governar.

A recuperação econômica sob Milei perdeu força, e o PIB argentino apresentou uma leve contração no segundo trimestre, e os analistas preveem nova queda entre julho e setembro.

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