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MINISTRO DO STF

O que é a Lei Magnitsky? Quando começam a valer as sanções aplicadas por Trump a Moraes?

Medida foi anunciada pelo governo dos EUA, e STF reforçou 'independência' do Judiciário

Ministro Alexandre de MoraesMinistro Alexandre de Moraes - Foto: Gustavo Moreno/STF

O governo dos Estados Unidos anunciou na quarta-feira a aplicação da Lei Magnitsky, o instrumento de sanções econômicas mais severo dos EUA, contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele é o primeiro brasileiro sancionado diretamente pela norma. A sanção ocorre após a escalada da crise entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e governo e Judiciário brasileiros.

A inclusão de Moraes na Lei Magnitsky se deu no mesmo dia em que Trump formalizou o tarifaço de 50% contra exportações brasileiras, ainda que com exceções para quase 700 categorias de produtos, entre elas aviões, petróleo, suco de laranja e celulose.

O que é a lei Magnitsky?
A lei Magnitsky prevê uma série de sanções que, na prática, extrapolam as fronteiras dos Estados Unidos e que são decretadas sem necessidade de condenação em processo judicial. A rigor, é uma decisão do Poder Executivo, que pode ou não ser lastreada em informes de autoridades e organismos internacionais.

Sancionada pelo então presidente americano Barack Obama em 2012, a lei foi criada originalmente com o objetivo de punir os responsáveis pelo assassinato do advogado e militante russo Sergei Magnitsky, opositor de Vladimir Putin morto em uma prisão em Moscou em 2009. Em 2016, o escopo da norma foi ampliado para permitir que o governo dos Estados Unidos possa sancionar pessoas pelo mundo que tenham desrespeitado os direitos humanos ou que sejam acusadas de corrupção. Não é necessário, porém, que haja condenação oficial para que as sanções sejam aplicadas.

 

O que fica bloqueado quando alguém é sancionado?
A lei inclui o banimento de entrada nos Estados Unidos e a proibição de negociar com empresas e cidadãos americanos. No caso de Moraes, o ministro já estava com o visto bloqueado por decisão anunciada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em 17 de julho.

Para além da proibição de entrada nos EUA, a principal sanção da Magnitsky é o bloqueio de bens de pessoas ou organizações que estejam nos Estados Unidos. Isso inclui desde contas bancárias e investimentos financeiros até imóveis. Os sancionados tampouco podem realizar operações que passem pelo sistema bancário dos Estados Unidos.

Na prática, a lei leva também ao bloqueio de ativos dolarizados fora da jurisdição americana, além do bloqueio de cartões de crédito internacionais de bandeiras com sede no país, a exemplo de Visa, Mastercard e American Express, explica a advogada Vera Kanas, especializada em comércio internacional.

Há ainda a possibilidade da suspensão de contas em redes sociais e serviços de big techs com sede nos Estados Unidos, como Google, Microsoft, Apple e Meta. Isso inclui o bloqueio de acesso a serviços como Teams, Whatsapp, Gmail, Google Drive, YouTube e Google Pay, mesmo que utilizados no Brasil ou em outros países.

Empresas de tecnologia como Google, Meta, Amazon e Apple, que têm sede nos EUA, são legalmente obrigadas a monitorar e relatar quaisquer movimentações financeiras, digitais ou contratuais que envolvam indivíduos atingidos pelas restrições previstas na lei Magnitsky, sob pena de sanções próprias.

Especialistas dizem que haverá pressão para a medida valer no Brasil, mas que, nesse caso, as big techs ficam suscetíveis a punições previstas na lei brasileira.

Quando o bloqueio passa a valer e como é feito?
A advogada Vera Kanas, especialista em direito internacional, explica que não há uma notificação formal do governo americano aos bancos e demais empresas com sede ou conexão com os EUA para iniciarem o bloqueio. As companhias, porém, sabem que devem cumprir a sanção prevista na Magnitsky, sob risco de serem elas próprias punidas com sanções. Os bancos, por uma questão de compliance, monitoram a lei.

O que os EUA alegam para aplicar as sanções a Moraes?
Há meses, porta-vozes do governo dos Estados Unidos têm criticado o ministro do STF pelo fato de interpretarem suas decisões como violações à liberdade de expressão, em especial após o ministro bloquear o acesso, no Brasil, à plataforma Rumble, em fevereiro deste ano. A decisão se deu após a plataforma descumprir determinações da Corte, por exemplo, ao manter na plataforma um canal do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, foragido nos EUA.

O secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, afirmou em nota nesta quarta-feira que Moraes atuou de forma "arbitrária contra a liberdade de expressão". O texto, uma justificativa para a inclusão do ministro brasileiro no escopo da Lei Magnitsky diz ainda que o magistrado usou o cargo para "censurar e perseguir" o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é réu na ação penal da trama golpista que corre no STF.

Bessent diz que “Alexandre de Moraes recebeu as sanções por ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos amercianos e brasileiros e empresas". O secretário americano diz que Moraes "é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".

O texto afirma ainda que o Tesouro americano "continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos".

Depois do anúncio do tarifaço dos Estados Unidos contra o Brasil, feito em 9 de julho por Trump, Rubio já havia anunciado, em 17 de julho, ter determinado a revogação dos vistos americanos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, familiares e seus “aliados no tribunal”, sem especificar quais. A medida foi aplicada, também, aos ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flavio Dino, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Gilmar Mendes.

O argumento do governo americano para sancionar Moraes faz sentido?
A resposta curta é não. A aplicação da norma a Moraes é considerada controversa, uma vez que o ministro não é acusado de corrupção e suas decisões judiciais são referendadas pelo STF em um regime democrático. O Brasil é considerado uma democracia com poder Judiciário independente pelos principais projetos acadêmicos internacionais de democracia comparada, como o da organização americana Freedom House e do V-Dem, que produzem relatórios periódicos sobre a democracia em países mundo afora.

O financista americano e britânico Bill Browder, que era próximo de Sergei Magnitsky e liderou movimentos em prol da aprovação da lei que levaria o nome do amigo, criticou a inclusão de Moraes entre os sancionados pela norma.

“Eu passei anos lutando para que a Lei Magnitsky fosse aprovada para acabar com a impunidade a grandes violações de direitos humanos e cleptocratas. Até onde sei, o juiz brasileiro Moraes não está em nenhuma dessas categorias”, disse Browder em seu perfil na rede social X (antigo Twitter).

O STF manifestou solidariedade a Moraes e disse que “o julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional”.

“Encontra-se em curso, perante o Tribunal, ação penal em que o Procurador-Geral da República imputou a um conjunto de pessoas, inclusive a um ex-Presidente da República, uma série de crimes, entre eles, o de golpe de Estado. No âmbito da investigação, foram encontrados indícios graves da prática dos referidos crimes, inclusive de um plano que previa o assassinato de autoridades públicas”, diz o texto.

O STF ressalta que “todas as decisões tomadas pelo relator do processo (Moraers) foram confirmadas pelo colegiado competente”.

A nota termina dizendo que o Supremo Tribunal Federal “não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo”.

Além de Moraes, quem mais já foi alvo da aplicação da Lei Magnitsky?
A Lei Magnitsky já foi aplicada pelos Estados Unidos a mais de 650 pessoas desde 2017, de acordo com o último relatório sobre a aplicação da norma publicado pelo governo americano, relativo a 2023.

Somente em 2023, foram sancionados indivíduos de nove países, em sua maioria ditaduras ou regimes considerados híbridos, em que democracias eleitorais formais convivem com práticas autoritárias e ataques a liberdades políticas. Naquele ano, estavam entre os sancionados pessoas de Afeganistão, Bulgária, Guatemala, Haiti, Libéria, Paraguai, China, Rússia e Uganda.

A lei foi americana foi aplicada pela primeira vez a estrangeiros não ligados ao regime de Putin em 2017. Entre eles, estava o empresário dominicano Ángel Rondón Rijo, que segundo o Departamento do Tesouro americano atuava como operador financeiro da empreiteira brasileira Odebrecht. Rondon foi preso no mesmo ano por crimes relacionados ao pagamento de subornos em obras envolvendo a construtora. Também foram alvos de sanções na ocasião o então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, Roberto José Rivas Reyes, o deputado guatemalteco Julio Antonio Juárez Ramírez e o ex-presidente da Gambia Yahya Jammeh (1994-2017).

Entre os já sancionados desde a ampliação dos efeitos da lei, estão também o ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes (2013-2018) e o ex-vice-presidente do país Hugo Adalberto Velazquez Moreno (2018-2023). Ambos sofreram as restrições da norma por supostos casos de corrupção em 2023.

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