A monumental igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife
Atravessava a economia nordestina, no início do século XVIII, um período de enfraquecimento, com relação ao comércio internacional do açúcar, em virtude da superprodução decorrente das Antilhas, e mais a gigantesca diminuição da mão-de-obra escravizada, agora, em migração para a região das Minas Gerais.
Algumas tentativas de melhoria para a região foram empreendidas, com o objetivo de incentivar e ampliar a produção de açúcar, algodão, madeiras e outros produtos, com resultados que culminaram com o considerável aumento de algumas cidades, dentre as quais o Recife, que ganhou novas ruas e construções.
Após a expulsão dos flamengos, o Recife passa por um imenso processo de restauração em seus edifícios, em especial os religiosos. Surgem, portanto, novas construções com novos partidos, dentro do espírito da contra-reforma de naves tipo salão, modenaturas ritimadas, formas inquietas e místicas que representam a novidade do gosto estético e, dentro dessas novas construções, encontramos a Igreja de São Pedro dos Clérigos. No dia 26 de junho de 1700, reunidos os clérigos desta cidade na Matriz do Corpo Santo, com a presença do Bispo D. Francisco de Lima, criaram uma irmandade eclesiástica sob a proteção do apóstolo São Pedro.
Instalada a irmandade a partir de 1705, na Matriz de Nossa Senhora do Paraíso, resolveram, então, os clérigos, construir a sua igreja. Para tanto, adquirem uma horta e seis moradas de casa ao vigário de Sirinhaém, padre Agostinho de Almeida, e com a devida licença para a construção do Senado, ergueram-na em meio à rua das Águas Verdes, no bairro de São José. Data o início das obras, dos primeiros meses de 1728, segundo o risco do mestre Manuel Ferreira Jácome, após a demolição das casas adquiridas, estendendo-se, a construção, por mais de 54 anos, até 1782. Após a conclusão das obras, é consagrada a igreja.
O risco da igreja de São Pedro dos Clérigos, um dos mais ousados trabalhos do mestre Ferreira Jácome, assemelha-se a um grande retângulo, o qual envolve uma planta de forma octogonal, dominante na nave isenta de corredores, os quais vão aparecer quando se aproximam da capela-mor que deságuam, em sua profundidade, na sacristia. A definição do espaço arquitetural do interior da igreja “resultou da junção de três prismas que foram coroados por abóbadas de berço, de intersecção e de arestas, tendo como resultado um espaço interno já identificado com o barroco”, conforme José Luiz Mota Menezes. No interior da nave, uma sensação de sombra proposital dignifica o espaço. A iluminação indireta que penetra através de quatro óculos na capela-mor, junto à abóbada de arestas, revela o transcorrer do dia, a movimentação do sol no exterior, desenhando novos recantos, impressões místicas da própria essência do barroco.
A composição da fachada frontal, toda em arenito, é obra singularíssima, que nos reporta a soluções encontradas, do ponto de vista da volumetria, na Alemanha e na Áustria barrocas, a exemplo das igrejas de S. Juan da Roca (1731), em Praga, e a igreja do Convento da Misericórdia de Maria, em Gussan (1728), na Silésia, as quais apresentam uma acentuada verticalidade, um goticismo no barroco. No frontispício, o pórtico prolonga–se por sobre a portada e une-se à janela central formando uma linha de eixo central que corta o entablamento rígido, até o frontão encimado com o cruzeiro - uma cruz de ferro e uma envazadura (nicho vazado), que guarnece a imagem de São Pedro, ladeado por duas alterosas torres.
No seu interior, o aspecto da obra de talha que havia chegado até nós não era o primitivo. Todo o primeiro entalhe apresentava a capela-mor inteiramente dourada, obra realizada pelo artista Inácio de Melo e Albuquerque, pelos anos de 1784. O seu forro, com uma composição de dez painéis sobre a vida de São Pedro, foi realizado pelo artista Francisco Bezerra, em 1785.
Também, eram dourados as tribunas, as sanefas, os púlpitos e os altares laterais, obra realizada pelo artista Luís Rodrigues da Rocha, em 1771. Todo este conjunto teria ornamentado a igreja até o ano de 1858, quando teve início a reconstrução de uma nova capela com os seus altares. O altar-mor, por exemplo, com risco inicial do século XVIII, já apresenta ornamentos do rococó e do neoclássico. Mostra-nos no centro, um grande nicho com a imagem de São Pedro com vestes papais, ladeado por dois pequenos nichos colaterais, com duas imagens de São Paulo e Santo Antônio. Ainda, um sacrário dourado e, encimando o grande nicho de São Pedro, ergue-se majestoso trono, para exposição do Santíssimo Sacramento. A nova capela-mor é coberta com uma grande abóbada de ogivas com liernes, onde encontramos as “armas” de São Pedro e 16 medalhões, sendo 12 dos apóstolos e 4 dos evangelistas, além de 6 tribunas, um primoroso trabalho executado pelo artista Felipe Alexandre da Silva. A pintura do forro é do tipo chamado “forros ilusionistas”, cujo objetivo é o de ampliar o espaço arquitetural interno com perspectivas de elementos arquiteturais como, arcadas, balcões, colunatas, cúpulas, balaustradas, em uma composição com figuras humanas, anjos e santos envolvidos em cenas e passagens sagradas da Bíblia. O forro da nave da igreja de São Pedro dos Clérigos é considerado por muitos autores como a obra-prima da pintura pernambucana no século XVIII. Em 1764, João de Deus Sepúlveda recebe uma grande abóbada de madeira e nela, cria, em perspectiva central, o espaço arquitetural ilusório representando “São Pedro abençoando a mundo católico”, tema desenvolvido pelo mestre durante longos quatro anos, cuja obra encerra um caráter místico e dramático, tendo no seu ponto central a figura de São Pedro sentado em seu trono abençoando, em gesto clássico, os apóstolos, santos e mártires, que se perfilam em seu redor e, com a outra mão, se mostra segurando a cruz papal.
Agora, restaurada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, após dois longos e árduos anos de trabalhos, a população do Recife recebe de volta a beleza e o encantamento do seu maior templo: a monumental igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife.
Arquiteto, membro do CEHM, membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco.
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