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COMPORTAMENTO

Animais de estimação como alternativa a ter filhos: solução controversa ou necessidade?

Evidências mostram que os pets reduzem o estresse e melhoram as habilidades emocionais e sociais

Animais de estimação como alternativa a ter filhos: solução controversa ou necessidade?Animais de estimação como alternativa a ter filhos: solução controversa ou necessidade? - Foto: @malitskiybogdan/Freepik

Perfis do Instagram dedicados exclusivamente a eles. Creches onde os seus donos os deixam durante o dia como se fossem crianças no jardim de infância e hotéis onde ficam quando vão de férias. Terapia e treinamento para problemas comportamentais. Roupas para cada tipo de clima, calçados para caminhada e fantasias. Festas de aniversário com bolos de carne magra, cortes de cabelo da moda e sessões de fotos.

Estes são alguns dos muitos exemplos que mostram que os animais têm um papel cada vez mais protagonista na vida dos humanos, e que a relação entre eles é cada vez menos tutor-animal de estimação e cada vez mais filho-pai. Na verdade, muitos jovens decidem ter cães ou gatos em vez de ter filhos.

— Outro dia eu estava na rua e vi um casal com carrinho e pensei: que fofo, eles devem ter um filho. Quando chegamos ao semáforo aproveitei e olhei para fora. E tive uma surpresa. Esse bebê não existia, era um cachorrinho — diz Magdalena Vera Vionnet, de 80 anos, moradora de Buenos Aires, entre descrença e angústia.

Embora existam países, e cidades, onde a tendência para ter animais de estimação em vez de crianças, e tratá-los como tal, seja mais acentuada – Tóquio, no Japão; Milão, na Itália, e Los Angeles e Miami, nos Estados Unidos, são exemplos – estamos falando de um fenômeno global com milhares de seguidores, principalmente entre as novas gerações.

As razões por detrás disso vão desde a falta de compromisso com o amor pela liberdade individual, o estresse econômico e até a consciência social.

— Famílias multiespécies são cada vez mais comuns — observa Yulieth Cuadrado, terapeuta especializada em neuropsicologia.

Segundo uma pesquisa da Growth from Knowledge (GfK), ao lado do México e do Brasil, a Argentina está entre os países com maior percentual de animais por família. Na verdade, outro estudo mostrou que 79% dos lares argentinos têm animais de estimação e 77% os consideram membros da família.

— Não faz muito tempo, a realização pessoal envolvia ter uma família com muitos filhos. Hoje, porém, as ideias de felicidade e bem-estar dependem muito mais da realização individual, ajustada às próprias necessidades — pondera Cuadrado.
 

Casal jovem com cãoFoto: @beavera/Freepik

Nesse contexto, a alternativa de ter cachorro, gato ou animal de estimação se apresenta como forma de preservar a individualidade, sem abrir mão da satisfação de cuidar, criar e amar o outro.

— Os animais não requerem tanta atenção quanto os humanos. O cuidado é qualitativamente mais simples e permite uma vida muito mais flexível — reflete Nicolás Andersson, de 31 anos, formado em psicologia.

Ele e sua namorada deixam bem claro que não querem bebês porque não querem que suas vidas pessoais fiquem em segundo plano. Eles possuem dois buldogues franceses, Odin e Floki, que, segundo eles, são como seus filhos, mas com menos responsabilidades envolvidas.

— O amor é igual, só que não precisamos trocar as fraldas, levantar às sete da manhã para levá-los à escola, nem sacrificar os planos do fim de semana, como nossos amigos com crianças. O mandato de ter filhos não está tão estabelecido como antes e hoje temos mais poder de escolha — argumenta Andersson.

Na mesma linha, Lucía Bandol, de 36 anos, afirma que nunca gostou da ideia de ser mãe; em primeiro lugar pelo parto e, em segundo lugar, pelo tudo o que isso implica.

— Sempre soube que não queria ter filhos e sempre me disseram que em algum momento isso iria mudar. Que eu não me sentiria completa como mulher. Mas os anos foram passando e a cada dia eu confirmo mais: não quero — diz.

Para a jovem adulta, que tem dois gatos, Magnum e Silvestre, não é preciso querer ser mãe para querer receber amor, é aí que os animais entram em cena.

— Temos uma necessidade quase inata de dar e receber carinho, além do nosso parceiro ou de nós mesmos — reflete.

Cuadrado aponta que cuidar e proteger são habilidades instintivas do ser humano, e dar e receber amor, uma necessidade com múltiplos benefícios para o bem-estar pessoal. A psicóloga conta que, entre os benefícios que seus pacientes identificam em ter animais em casa, um em especial se repete: a calma.

— Quando olhamos nos olhos dos nossos animais de estimação, conversamos com eles ou os acariciamos nosso cérebro secreta oxitocina, um neurotransmissor fundamental em diversas funções fisiológicas e sociais, entre as quais estão a construção de vínculos emocionais, a redução dos níveis de cortisol e a regulação emocional — explica.

De acordo com um estudo publicado no National Institutes of Health (NIH), os animais de estimação podem reduzir o stress, melhorar a saúde cardíaca, ajudar as pessoas com as suas competências emocionais e sociais e encorajar a responsabilidade e o compromisso.

— Eu poderia não ter animais, mas eles me fariam feliz do mesmo jeito. Eles são empáticos e estão sempre lá por você. Acredito nos sentimentos deles e nos vínculos que criam conosco e que o amor, para mim, é mais que suficiente — finaliza Bandol.

O fator econômico, num mundo com rumo incerto
O fator econômico é outro elemento que leva vários jovens a preferirem ter animais de estimação em vez de filhos. É o caso de Ignacio Martínez Larrea, de 20 anos.

— Ter filhos é caro e ganhar dinheiro é complicado. Embora os animais de estimação envolvam despesas, são substancialmente menores — diz ele. Do seu grupo de seis amigos, cinco têm a mesma opinião que ele.

Os entrevistados concordam que a decisão de ter um filho significa ser capaz de cobrir questões básicas relacionadas com a segurança econômica, tais como poder pagar uma casa suficientemente grande (seja alugada ou possuir propriedade própria), educação a longo prazo (escola e talvez universidade), todos os cuidados médicos necessários para uma boa saúde e atividades recreativas.

— Conheço pessoas que tiveram filhos antes de poderem comprar a casa própria e agora, com tudo o que têm de pagar para criar os filhos, é impossível para elas. Torna-se um círculo vicioso. Já é difícil pensar em alcançar a estabilidade monetária necessária para se sustentar, quanto mais apoiar os outros. O fator econômico tem um peso muito forte contra isso — diz Bandol.

Por outro lado, existe um pessimismo geral quando se pensa no futuro do planeta que, em muitos casos, faz com que a ideia de ter um filho seja mais uma decisão inconsciente do que um produto do amor.

— As alterações climáticas são uma realidade. O tempo do planeta está contado e não consigo conceber dar vida a alguém que terá que passar por eventos cada vez mais catastróficos, como escassez de água, elevação do nível do mar, secas e incêndios — argumenta Bandol.

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