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Brigas no relacionamento amoroso aumentam o risco de doenças cardíacas de forma oculta

Estudo foi feito a partir de uma análise de 12 ensaios clínicos envolvendo quase 1.500 casais e publicado no Canadian Journal of Cardiology

O estudo acompanhou 567 homens e mulheres que sofreram parada cardíaca O estudo acompanhou 567 homens e mulheres que sofreram parada cardíaca  - Foto: Freepik

Uma revisão publicada no Canadian Journal of Cardiology mostrou que não é só simbolicamente que o romance e o coração são sinônimos, mas que eles deveriam ser incorporados de forma abrangente nos programas de tratamento para pacientes cardíacos.

Os pesquisadores analisaram 12 ensaios clínicos envolvendo quase 1.500 casais para determinar se a inclusão de parceiros românticos na reabilitação cardíaca melhora os resultados. Embora 77% dos estudos tenham demonstrado melhora na adesão à medicação, nos hábitos de exercício e na cessação do tabagismo, apenas três estudos avaliaram a qualidade do relacionamento — e nenhum encontrou melhorias.

Portanto, parece que os relacionamentos românticos afetam a saúde do coração por meio de mecanismos biológicos poderosos, mas os programas de reabilitação cardíaca raramente abordam esses relacionamentos pessoais cruciais.

Grandes estudos populacionais mostram que a qualidade do relacionamento afeta o risco de doenças cardíacas com magnitudes de efeito comparáveis às de parar de fumar ou manter um peso saudável.

Parceiros satisfeitos apresentam melhor variabilidade da frequência cardíaca, pressão arterial mais baixa e redução de marcadores inflamatórios, enquanto o sofrimento no relacionamento desencadeia as mesmas respostas ao estresse que prejudicam o sistema cardiovascular.

O estudo, realizado no Instituto do Coração da Universidade de Ottawa, descobriu que pessoas solteiras têm 40% mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares e morrer de infarto do miocárdio do que pessoas casadas. Mas a proteção não vem da aliança de casamento.

Estudos que acompanham a qualidade do relacionamento ao longo do tempo mostram que a satisfação conjugal importa muito mais do que o estado civil em si.

Além disso, segundo os cientistas, o corpo reage à dinâmica dos relacionamentos, por exemplo, em uma discussão, ambos os parceiros experimentam aumento da frequência cardíaca e picos nos níveis de cortisol, o hormônio do estresse.

Mulheres em relacionamentos conturbados apresentam um aumento de quase 10 vezes na hipertensão não controlada em comparação com mulheres satisfeitas. Entre casais satisfeitos, cada aumento de uma unidade no apoio ao relacionamento está correlacionado com uma melhora de 28% na variabilidade da frequência cardíaca, um marcador fundamental da saúde cardiovascular.

E o contrário também acontece. Nos dias em que os casais demonstram mais afeto físico, como abraços, os níveis de cortisol diminuem consideravelmente. Isso não se trata apenas de conforto emocional se traduzindo em bem-estar. O ato físico da conexão íntima desencadeia alterações hormonais que protegem o coração.

O sofrimento crônico pode aumentar marcadores inflamatórios. Esses processos inflamatórios contribuem para o desenvolvimento da aterosclerose e a progressão de doenças cardiovasculares.

Parceiros em relacionamentos satisfatórios adotam comportamentos mais saudáveis, criando uma série de benefícios cardiovasculares, como por exemplo: homens que percebem um forte apoio da parceira consomem mais frutas e verduras. Já em um relacionamento rico em brigas, tensões e discussões, ambos os sexos consomem mais álcool.

O estudo ainda mostrou que os comportamentos relacionados à saúde tendem a se sincronizar entre os parceiros. Se um dos cônjuges pratica exercícios regularmente, o outro tem 67% mais chances de se tornar ativo. Quando um dos parceiros para de fumar, o outro tem 48% mais chances de conseguir parar também. Essa sinergia funciona nos dois sentidos. Se um dos parceiros mantém hábitos não saudáveis, o outro enfrenta grandes obstáculos para mudar, mesmo com boas intenções.

Como a inclusão de parceiros alterou os resultados?
A equipe de pesquisa analisou intervenções destinadas a incluir os parceiros nos cuidados cardíacos. A maioria dos programas envolvia enfermeiros ensinando aos casais sobre o gerenciamento de medicamentos, rotinas de exercícios e mudanças na dieta ao longo de três meses, geralmente começando logo após a alta hospitalar.

Cerca de 77% dos estudos que avaliaram exercícios físicos, adesão à medicação ou cessação do tabagismo constataram melhorias quando os parceiros participavam. Os pacientes em programas para casais mantiveram os níveis de atividade física, enquanto aqueles que participaram sozinhos deixaram de lado as rotinas de academia.

Os resultados cardiovasculares foram mistos. Alguns estudos relataram melhora nos níveis de colesterol e menos consultas médicas para pacientes em programas para casais. Outros não encontraram diferenças na pressão arterial, eventos cardíacos ou capacidade funcional.

Em saúde mental, os resultados também foram variáveis. Cerca de 63% dos estudos encontraram alguma melhora na ansiedade ou depressão, mas qual parceiro se beneficiou e quando isso ocorreu variou entre os programas.

Os autores afirmaram que o sofrimento nos relacionamentos não é apenas uma dificuldade emocional para pacientes cardíacos, mas um fator de estresse fisiológico que ativa respostas cardiovasculares, neuroendócrinas e imunológicas de maneiras que pioram diretamente a progressão da doença.

“Relacionamentos felizes não são apenas um diferencial. Eles proporcionam proteção mensurável por meio da redução dos hormônios do estresse, melhor controle da pressão arterial, redução dos marcadores inflamatórios e melhoria dos hábitos de saúde”, escreveram.

O que deveria ser feito?
Os pesquisadores propõem que os programas de reabilitação cardíaca comecem a avaliar a qualidade do relacionamento, assim como já fazem atualmente para detectar depressão e ansiedade. Questionários breves, que levam apenas alguns minutos para serem respondidos, poderiam identificar quais casais precisam de apoio extra.

Os programas poderiam oferecer diferentes níveis de intervenção com base nas necessidades específicas de cada casal. Os pacientes ainda poderiam receber educação básica sobre como os relacionamentos afetam a saúde do coração.

Entretanto, os autores afirmam que os estudos apresentam suas lacunas, como por exemplo a presença de apenas um estudo examinando uma amostra de pessoas predominantemente pretas, a exclusão quase total de casais LGBTQIAP+ e a predominância de homens — representando 77% dos pacientes e as mulheres 76% dos parceiros.

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