Sáb, 06 de Dezembro

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Violência

Caso Alícia Valentina: psicóloga alerta pela crescente tolerância de atos violentos na infância

"Nossas crianças estão aprendendo que não vão ser reprimidas pelos seus atos de violência", disse especialista

Alícia Valentina teve morte cerebral confirmada na noite do domingo (7)Alícia Valentina teve morte cerebral confirmada na noite do domingo (7) - Foto: Reprodução/Prefeitura de Belém do São Francisco

O chocante caso da menina Alícia Valentina, de 11 anos, falecida no último domingo (7), após ser espancada por colegas de escola em Belém do São Francisco, é mais um sintoma preocupante existente na humanidade. A psicóloga especialista em Psicologia da Educação, Ana Cristina Fonseca, alerta para uma sociedade que vem tolerando atos de violência e que não tem formado adequadamente nossos jovens a viver em sociedade. 

Algo que se aprende - ou ao menos deveria - ainda na primeira infância é que atos de violência não possuem justificativas cabíveis para acontecer. Por mais que a psicóloga Ana Cristina relembre que o ser humano tenha pulsões violentas, ela enfatiza que, como indivíduos sociais, somos educados a controlá-las a partir dos diferentes espaços de convívio - escola, família ou sociedade. 

“A violência está presente em todos nós. Ela é reprimida pelo que chamamos de educação, de modo geral, não necessariamente a escolar, mas que acaba também nos ajudando a viver em sociedade, controlando nossas pulsões agressivas”, disse. 
 
Portanto, são nesses diferentes espaços que os indivíduos iniciam suas convivências e passam a reconhecer as regras que determinam o convívio social. O autocontrole de não agredir alguém é adquirido, assim como outras questões de disciplina e demais atividades culturais. 

Desenvolvimento
Entretanto, a violência segue se colocando fato presente, principalmente como fenômenos coletivos. Conforme a especialista, isso vem contribuindo para que o desenvolvimento das estruturas psíquicas dos jovens não esteja sendo formado da melhor maneira. 

“Então, se a educação para que a gente viva em sociedade não está funcionando, seja ela qual for, e cada vez mais a gente tolera a violência como algo que faz parte, vamos fazendo com que as crianças sejam educadas a resolver suas questões a partir da violência. Deixa de formar o aparelho psíquico a respeitar o outro”, argumentou. 

Buscando olhar para as raízes desses problemas, Ana Cristina alerta que o fato das crianças não serem reprimidas pelos seus atos vem desenvolvendo jovens sem compreensões de empatia e respeito.  

“Nossas crianças estão aprendendo que não vão ser reprimidas pelos seus atos de violência. Essa desestruturação muitas vezes estimula a própria crueldade e que o sofrimento do outro não é algo que possa abalar”, refletiu. 

Estruturas 
Outra questão que fica latente no caso de Belém de São Francisco são os contornos do machismo estruturante. A psicóloga aproveitou para fazer relação com o caso recente de Sther Barroso, jovem espancada até a morte por dois homens em um baile funk, no Rio de Janeiro, ao se recusar a "ficar" com um traficante

“Semanas atrás, uma mulher foi morta porque não aceitou ‘ficar’ com um traficante. Então, me chama muita a atenção da justificativa do início da violência. Nesses casos, tem algo sobre discriminação da mulher também”, argumentou. 

Por fim, Ana Cristina também refletiu sobre os discursos proferidos atualmente e o possível impacto das tecnologias e redes sociais no desenvolvimento de crianças e adolescentes.  

“Os discursos atuais são sempre contra os outros: ‘estude enquanto eles dormem’ ou ‘seja o primeiro’. Não há reforços de solidariedade, respeito ou de amizade, é de disputa, competitividade, ‘passe por cima de quem você quiser’. As crianças estão crescendo nesse lar social e, infelizmente, estamos vendo essas coisas chocantes”, iniciou. 

“Inclusive, estudos estão mostrando que o uso excessivo de tecnologia tem levado ao descontrole nas funções psíquicas que diminuem a tolerância e a frustração. É um dado preocupante. As crianças estão perdendo o controle do córtex pré-frontal, que tem feito que perca o limiar da frustração e capacidade de escolha do que é bom e ruim, certo e errado”, concluiu a especialista. 
 

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