Caso Alícia Valentina: psicóloga alerta pela crescente tolerância de atos violentos na infância
"Nossas crianças estão aprendendo que não vão ser reprimidas pelos seus atos de violência", disse especialista
O chocante caso da menina Alícia Valentina, de 11 anos, falecida no último domingo (7), após ser espancada por colegas de escola em Belém do São Francisco, é mais um sintoma preocupante existente na humanidade. A psicóloga especialista em Psicologia da Educação, Ana Cristina Fonseca, alerta para uma sociedade que vem tolerando atos de violência e que não tem formado adequadamente nossos jovens a viver em sociedade.
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Algo que se aprende - ou ao menos deveria - ainda na primeira infância é que atos de violência não possuem justificativas cabíveis para acontecer. Por mais que a psicóloga Ana Cristina relembre que o ser humano tenha pulsões violentas, ela enfatiza que, como indivíduos sociais, somos educados a controlá-las a partir dos diferentes espaços de convívio - escola, família ou sociedade.
“A violência está presente em todos nós. Ela é reprimida pelo que chamamos de educação, de modo geral, não necessariamente a escolar, mas que acaba também nos ajudando a viver em sociedade, controlando nossas pulsões agressivas”, disse.
Portanto, são nesses diferentes espaços que os indivíduos iniciam suas convivências e passam a reconhecer as regras que determinam o convívio social. O autocontrole de não agredir alguém é adquirido, assim como outras questões de disciplina e demais atividades culturais.
Desenvolvimento
Entretanto, a violência segue se colocando fato presente, principalmente como fenômenos coletivos. Conforme a especialista, isso vem contribuindo para que o desenvolvimento das estruturas psíquicas dos jovens não esteja sendo formado da melhor maneira.
“Então, se a educação para que a gente viva em sociedade não está funcionando, seja ela qual for, e cada vez mais a gente tolera a violência como algo que faz parte, vamos fazendo com que as crianças sejam educadas a resolver suas questões a partir da violência. Deixa de formar o aparelho psíquico a respeitar o outro”, argumentou.
Buscando olhar para as raízes desses problemas, Ana Cristina alerta que o fato das crianças não serem reprimidas pelos seus atos vem desenvolvendo jovens sem compreensões de empatia e respeito.
“Nossas crianças estão aprendendo que não vão ser reprimidas pelos seus atos de violência. Essa desestruturação muitas vezes estimula a própria crueldade e que o sofrimento do outro não é algo que possa abalar”, refletiu.
Estruturas
Outra questão que fica latente no caso de Belém de São Francisco são os contornos do machismo estruturante. A psicóloga aproveitou para fazer relação com o caso recente de Sther Barroso, jovem espancada até a morte por dois homens em um baile funk, no Rio de Janeiro, ao se recusar a "ficar" com um traficante.
“Semanas atrás, uma mulher foi morta porque não aceitou ‘ficar’ com um traficante. Então, me chama muita a atenção da justificativa do início da violência. Nesses casos, tem algo sobre discriminação da mulher também”, argumentou.
Por fim, Ana Cristina também refletiu sobre os discursos proferidos atualmente e o possível impacto das tecnologias e redes sociais no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
“Os discursos atuais são sempre contra os outros: ‘estude enquanto eles dormem’ ou ‘seja o primeiro’. Não há reforços de solidariedade, respeito ou de amizade, é de disputa, competitividade, ‘passe por cima de quem você quiser’. As crianças estão crescendo nesse lar social e, infelizmente, estamos vendo essas coisas chocantes”, iniciou.
“Inclusive, estudos estão mostrando que o uso excessivo de tecnologia tem levado ao descontrole nas funções psíquicas que diminuem a tolerância e a frustração. É um dado preocupante. As crianças estão perdendo o controle do córtex pré-frontal, que tem feito que perca o limiar da frustração e capacidade de escolha do que é bom e ruim, certo e errado”, concluiu a especialista.

