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VATICANO

Conservador? Progressista? O perfil inédito do grupo de cardeais que vai escolher o próximo Papa

Especialistas avaliam o que se espera dos 135 cardeais que já começaram a se reunir em Roma para debater sobre a escolha do sucessor de Roma

Cardeais na Basílica de São Pedro, em Roma, antes do início do conclave que elegeu o Papa Francisco Cardeais na Basílica de São Pedro, em Roma, antes do início do conclave que elegeu o Papa Francisco  - Foto: Gabriel Bouys/AFP

Na história da Igreja Católica, existem apenas duas ocasiões em que os cardeais do mundo todo se reúnem em um lugar só, presencialmente: em um consistório, quando debatem um documento interno importante, ou em um conclave, para eleger um novo Papa.

Cerca de 80% dos cardeais que vão participar do próximo conclave foram proclamados no pontificado de Francisco. Apenas aqueles com menos de 80 anos têm direito a voto, o que significa que desta vez serão 135 nomes, um dos maiores da era moderna da Igreja.

O conclave que vai definir o sucessor de Francisco tem um perfil inédito. Ele foi internacionalizado. Pelo menos 70 países têm cardeais eleitores, em contraste com o conclave de 2013 que elegeu Francisco, onde somente 48 países estavam representados, segundo o Catholic News Service. Países que nunca haviam tido representantes, como Haiti, Mongólia, República Centro-Africana, agora têm integrantes importantes. E, muito por isso, está com a característica de não ser polarizado, cenário oposto dos colégios de cardeais que elegeram João Paulo II, Bento XVI e o próprio Francisco.

 

— A maioria dos cardeais deste conclave não está articulada em grupos identificados por tendências progressistas ou conservadoras. É moderada, com forte sensibilidade social e comprometida com a promoção da comunhão entre os membros da Igreja — analisa o bispo Antonio Luiz Catelan Ferreira, professor de teologia da PUC do Rio de Janeiro e membro da Comissão Teológica Internacional, da Cúria Romana. — Com essa lógica, a tendência é pela escolha de um Papa do equilíbrio, que prossiga com a abertura ao estilo de Francisco.

'Situação de periferia'
Ao longo dos 12 anos de pontificado, o Papa Francisco reforçou o número de cardeais mais progressistas, com um critério de escolha especial: não priorizou nomes com alta cultura teológica ou visão geopolítica. Se preocupou com líderes da Igreja abertos ao diálogo, com um trabalho missionário ou em "situação de periferia", como ele gostava de dizer.

Giorgio Marengo, da Mongólia, proclamado cardeal em 2022, é exemplo disso. Fica em uma região budista, com um trabalho missionário onde apenas 1.500 pessoas são batizadas no credo católico. Trabalha com a população, budistas e católicos, criando casas, creches, grupos de terapia para ajudar no tratamento de alcoolismo. Entrou para o grupo de cardeais com apenas 48 anos, dois anos depois de ter se tornado bispo.

Os grupos de progressistas e conservadores não deverão alongar a votação por muito tempo para a escolha do novo Papa. Nos primeiros escrutínios, provavelmente votarão em seus próprios representantes, que dificilmente serão eleitos. Os ciclos da eleição vão se repetindo até se chegar a um nome final. Mas os cardeais americanos são os que mais poderão emperrar a votação.

Os Estados Unidos são o segundo país com maior número de cardeais aptos a votar no conclave: 10, perdendo apenas para Itália, com 17. Estão divididos entre conservadores e progressistas. Os conservadores, no entanto, são bastante influentes, organizados e com forte poder midiático.

Cotados
O nome mais cotado para ser o preferido da ala americana tradicional é o cardeal húngaro Peter Erdo, arcebispo de Esztergom-Budapeste, nomeado por João Paulo II. Seu discurso é contra a permissão para os católicos divorciados receberem a comunhão e a bênção para casais do mesmo sexo. Já um representante de peso da ala mais progressista, proclamado por Francisco em 2020, é o cardeal Wilton Gregory, arcebispo de Washington D.C., afro-americano. É conhecido por seu envolvimento com questões climáticas, compromisso com a igualdade racial e esforços para combater o abuso sexual dentro da Igreja.

No grupo moderado ganha força o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, elevado ao cardinalato em 2019, que tem se destacado como defensor ferrenho da paz e da justiça social na República Democrática do Congo. O Filipino Luis Antonio Tagle, que participou do conclave anterior, é apelidado de "Francisco asiático" por conta de sua relação com os pobres, ser favorável aos imigrantes e portador de um estilo de vida modesto.

Depois de três pontificados não italianos, ser um cardeal da Itália pode ser propício. Há dois nomes entre os mais cotados, ambos com perfil moderado. Pietro Parolin, o primeiro cardeal escolhido por Francisco e hoje secretário de Estado do Vaticano, o segundo posto mais importante na hierarquia da Santa Sé. Tem caráter diplomático e se encaixaria nos critérios de continuidade de articulação internacional de Francisco. Mas tem também a pecha de burocrata, sem experiência em paróquias.

Também com perfil diplomático, o cardeal Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha e presidente da Conferência Episcopal Italiana é outro nome que consta em todas as listas que circulam. Um candidato forte, mesmo que não se eleja, tem poder de influência sobre o voto dos outros cardeais. Em 2005, a habilidade linguística de Joseph Ratzinger e a homilia que ele pregou em uma missa antes da votação desempenharam um papel fundamental em sua eleição como Papa Bento XVI. Durante a missa, fez referência à "ditadura do relativismo" e condenou os "modismos ideológicos" que, segundo ele, podiam ameaçar a doutrina.

Arcebispo de Salvador
As congregações gerais de cardeais, reuniões que marcam os dias da Sé Vacante, antes do conclave, acabam de começar. Nesse período, os eleitores estudam uns aos outros, debatem entre si. As conversas de bastidor rolam soltas também durante almoços em cantinas de Roma, como nos apartamentos dos cardeais. O que significa que novos nomes, não tão conhecidos, mas alinhados com a postura pastoral e de equilíbrio, poderão se destacar nessa eleição. Aqui entra o brasileiro Sergio da Rocha, arcebispo da Arquidiocese de Salvador.

Proclamado cardeal em 2016, é hoje membro da Congregação para os Bispos, do Vaticano, e o único integrante do Brasil no Conselho de Cardeais, o G9, grupo com a tarefa de auxiliar o Papa no governo da Igreja Católica e estudar um projeto de revisão da Cúria Romana. Tem perfil conciliador, evangelizador e é extremamente alinhado às diretrizes do pontificado de Francisco.

Há de se lembrar, de qualquer forma, que os conclaves são, por definição, imprevisíveis. O que está em jogo é a escolha de uma única pessoa para ser o próximo líder dos 1,4 bilhão de católicos no mundo, feita individualmente.

— Os cardeais não são arregimentados em partidos políticos. Têm posicionamentos individuais, em suas dioceses. Têm mais liberdade de voto e isso poderá surpreender — conclui Francisco Borba, sociólogo da religião, editor do jornal da Arquidiocese de São Paulo.

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