Embaixador do Brasil diz que Milei fez 'ginástica intelectual' para justificar taxação e Trump
Julio Bitelli acrescentou que "a política de alinhamento automático e acrítico do governo argentino aos Estados Unidos tende a gerar poucos resultados concretos para Buenos Aires"
Embaixador do Brasil na Argentina, o diplomata Julio Bitelli criticou o discurso adotado pelo presidente Javier Milei para justificar o fato de o país vizinho ter sido alvo das taxações dos Estados Unidos.
Leia também
• Cristina Kirchner recebe Lula em apartamento onde cumpre prisão domiciliar na Argentina; veja vídeo
• Paraguai e Argentina firmam acordo para avaliar gasoduto que trará gás ao Brasil
Alinhado politicamente com o presidente Donald Trump, Milei fez uma "ginástica intelectual", segundo Bitelli, para emplacar sua “narrativa” de que a tarifa de 10% imposta ao país vizinho seria positiva.
A avaliação está em telegrama enviado ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 3 abril deste ano. Na ocasião, Trump havia anunciado a taxação das importações americanas com tarifas diferenciadas de acordo com o país. Os 10% foram adotados de forma igual às nações da América do Sul, incluindo Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Argentina.
Em telegrama reservado enviado ao Brasil, obtido pelo GLOBO, Bitelli afirmou que o anúncio feito por Trump era “aguardado ansiosamente pelo governo argentino”, que esperava ser "excluído da taxação norte-americana". "Em uma ginástica intelectual, o presidente Milei buscou fomentar narrativa no sentido de que a decisão norte-americana foi positiva para a Argentina”, escreveu o embaixador, acrescentando:
"Apesar dos esforços da narrativa oficial, havia expectativa de que a Argentina fosse excluída do anúncio norte-americano, em nome da suposta amizade de Milei e Trump. O comunicado de Washington reforça a impressão de que a política de alinhamento automático e acrítico do governo Milei aos Estados Unidos tende a gerar poucos resultados concretos para Buenos Aires", diz o documento, classificado como reservado.
No telegrama, o diplomata destaca ainda que, após o anúncio de Trump, Milei compartilhou em sua rede social a música da banda inglesa Queen - Friends will be friends - num sinal de que os 10% de taxa seriam resultado de sua proximidade com o presidente dos EUA. Essa postagem, segundo ele, foi seguida por outras manifestações, “na mesma linha”, de aliados do presidente nas redes sociais.
“Uma delas buscou atribuir a Milei a decisão de Trump de impor as tarifas mais baixas possíveis não apenas à Argentina, mas aos demais países do Mercosul. O porta-voz (do governo argentino) Manuel Adorni, em conferência de imprensa na manhã de hoje, argumentou que a imposição das tarifas confirma que ‘Trump não é protecionista, apenas usa o recurso como ferramenta geopolítica’. Afirmou que o governo se sentiu beneficiado com o tratamento recebido”, acrescentou.
Bitelli confirmou ao GLOBO o teor do documento e disse que seu posicionamento se deveu pela expectativa criada pelo governo argentino sobre um possível tratamento diferenciado a Milei, o que não ocorreu.
— O que a gente viu, pelo menos até agora, é que a Argentina está recebendo um tratamento absolutamente idêntico a outros países da região que não têm o mesmo tipo de relação com os Estados Unidos — disse.
Antes de servir na Argentina, Bitelli passou por países como Tunísia, Colômbia e Marrocos. Desde maio de 2023, é embaixador do Brasil em Buenos Aires.

