Sáb, 13 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
OPERAÇÃO RASTREIO

Especialista em desbloquear celulares roubados dava curso on-line para "alunos" de 11 estados

Allan Gonsalves usava programas da Índia e de Bangladesh. Operação contra esquema prendeu mais de 30 pessoas e recuperou cerca de 2.500 celulares

Equipes da Polícia Civil cumprem 132 mandados de busca e apreensão em 11 estadosEquipes da Polícia Civil cumprem 132 mandados de busca e apreensão em 11 estados - Foto: Reprodução

A prisão de Allan Gonsalves, de 30 anos, em maio deste ano na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, revelou que a receptação de celulares não tem limites. A partir de sua captura, a investigação mostrou que o acusado prestou consultoria para criminosos de 11 estados e ainda vendeu cursos em que ensinava remotamente o debloqueio de aparelhos.

Numa nova fase da Operação Rastreio, na segunda-feira (18), a Polícia Civil prendeu 32 pessoas suspeitas de participar do esquema no país, além de ter apreendido 2,5 mil aparelhos. Só no Estado do Rio foram roubados e furtados, em média, 200 celulares por dia este ano.

Os policiais foram às ruas para cumprir 132 mandados judiciais em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Alagoas, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Pará e Rondônia, além do Rio. Segundo a Polícia Civil, esta é a maior operação já feita contra roubo, furto e receptação de celulares.

Os alvos são “alunos” e clientes de Allan. De acordo com a polícia, eles fizeram o curso on-line ou forneciam os dados de aparelhos roubados para que Allan fizesse o desbloqueio de forma remota.

Numa outra ponta do esquema, estariam os responsáveis por reinserir os dispositivos de origem ilícita no mercado. Muitos endereços onde foram cumpridos mandados de busca e apreensão são estabelecimentos comerciais, como lojas, boxes e quiosques. Durante a ação, os policiais apreenderam R$ 52 mil em espécie.

Foco nos receptadores
Antes da revenda dos aparelhos, o grupo tentava acessar informações sensíveis da vítima, disponíveis em aplicativos de bancos, por exemplo. Com esses dados, conseguiam fazer empréstimos fraudulentos e transferir valores das contas. O governador Cláudio Castro afirmou que o furto e o roubo de celular não são crimes que geram muitos latrocínios (mortes), mas acabam tirando a paz da população.

"Hoje as pessoas mal andam com carteira; levam tudo no celular. Então, quando ele é roubado, gera muito medo porque não é só um celular. É um crime que tira a paz e gera insegurança nas pessoas".

Este ano, 19.780 celulares foram roubados no Estado do Rio de janeiro a setembro — o número é 26% maior que em 2024. Os furtos registrados em delegacias foram ainda mais numerosos: 34.456 casos nos primeiros nove meses, 22% a mais que no mesmo período do ano passado. O delegado Victor Tuttman, titular da Delegacia de Repressão ao Crime contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), contou que, desde o início da Operação Rastreio, a polícia identificou algumas rotas de escoamento dos celulares roubados. Segundo ele, os aparelhos do Rio são espalhados para diversos estados.

"Hoje temos alguns centros que vêm recebendo aparelhos roubados do Rio. Em Santa Catarina, por exemplo, já identificamos um deles. Também fizemos apreensões no Piauí. Mas é uma atuação contínua para identificar essas rotas", explicou.

O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou que parte importante do combate aos furtos e roubos de celulares é o foco na receptação dos aparelhos que, segundo ele, é quem fomenta a cadeia criminosa:

"Estamos fazendo um trabalho muito grande em cima do receptador para impedir que o ladrão, aquele que rouba ou furta o aparelho, tenha como escoar o equipamento. Nessa operação, nós desarticulamos uma rede de pessoas responsáveis pela receptação, pelo desbloqueio e pela reintrodução desses aparelhos no mercado clandestinamente".

De acordo com Curi, também foram identificadas no Rio algumas favelas que são “abrigos” para quadrilhas que atuam nesses crimes. Uma delas é o Complexo da Maré:

"Essas comunidades oferecem uma espécie de proteção para que esses criminosos possam fazer o desbloqueio e revender os aparelhos".

‘Reset’ em 40 segundos
No Rio, Allan Gonsalves atuava remotamente para desbloquear aparelhos de vários estados da federação. As investigações revelaram que o criminoso conseguia retirar as restrições ao Imei (número único de 15 dígitos que identifica cada aparelho) dos aparelhos roubados, que eram revendidos. Segundo a polícia, ele usava programas estrangeiros da Índia e de Bangladesh para realizar o processo. Em depoimento, o acusado disse que levava somente 40 segundos para fazer o procedimento em alguns aparelhos. Além desse serviço, ele também oferecia cursos on-line para ensina a técnica por R$ 300.

A polícia descobriu que Allan retirava o Imei do aparelho roubado das blacklists das operadoras. Depois, um programa desvinculava do aparelho a conta principal, eliminando todos os dados do proprietário. Com isso, o aparelho voltava ao padrão de fábrica. Uma outra técnica era usar uma ferramenta que permite inserir no telefone o Imei de um “celular morto” e, assim, liberar o aparelho para uso novamente. O serviço de debloqueio custava de R$ 60 a R$ 400, a depender da complexidade do aparelho. A defesa de Allan não foi localização pelo jornal O Globo.

Felipe Curi alerta para a compra de celulares usados. O proprietário de um aparelho fruto de crime pode ser acusado de receptação, que tem pena de um ano a quatro anos de prisão:

"Pelo aplicativo Celular Seguro (do governo federal) é possível verificar se há alguma restrição no aparelho. É importante que as pessoas desconfiem de celulares com valores muito abaixo dos praticados no mercado e exijam sempre a nota fiscal".

A Polícia Civil do Rio vai devolver hoje 1,6 mil celulares recuperados pela corporação. Os donos legítimos estão sendo convocados por ligação ou mensagens a comparecer aos pontos de entrega. Desde o início do ano, já foram entregues 2,8 mil aparelhos.

Veja também

Newsletter