Jovem morto por leoa precisava de tratamento e tinha sonho de domar felinos, diz conselheira tutelar
Gerson Melo Machado, de 19 anos, morreu nesse domingo (30/11) após invadir o recinto de felinos do Parque Arruda Câmara (Bica)
Gerson Melo Machado, de 19 anos, morreu nesse domingo (30/11) após invadir o recinto de felinos do Parque Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa-PB, e ser atacado por uma leoa. O jovem, que teve a vida marcada por diversos episódios de abandono e vulnerabilidade social, tinha o sonho de domar felinos e conhecer a África.
O relato é da conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou o jovem dos 10 aos 18 anos no Conselho Tutelar de Mangabeira. Ela usou as redes sociais para se despedir de Gerson e contar um pouco da sua história.
Ela revelou que passou anos lutando por um tratamento adequado para Gerson, que, segundo ela, tinha transtornos mentais.
"Embora o Conselho Tutelar de Mangabeira solicitasse laudos porque era visível o transtorno mental, o Estado dizia que ele só tinha um problema comportamental. Será que alguém com problema comportamental entra na jaula do leão, joga paralelepípedo no carro da polícia?", afirmou a conselheira.
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Em nota divulgada pelo jornal O Globo, Verônica detalhou a relação que tinha com Gerson, conhecido como "Vaqueirinho" na cidade. Ele foi atendido pelo Conselho Tutelar de Mangabeira dos 10 aos 18 anos. Era filho e neto de mãe e avó esquizofrênicos, e já havia sido encontrado em situações de risco antes.
"Gerson, meu menino sem juízo… Quantas vezes, na sala do Conselho Tutelar, você dizia que ia pegar um avião para ir a um safári na África cuidar de leões. Você ainda tentou. E eu agradeci a Deus quando o aeroporto me avisou que você tinha cortado a cerca e entrado no trem de pouso de um avião da Gol. Graças a Deus, observaram pelas câmeras antes que uma tragédia acontecesse", escreveu Verônica.
Gerson foi recebido pela primeira vez aos 10 anos quando foi encontrado sozinho por agentes da Polícia Rodoviária Federal numa rodovia.
"Eu nunca consegui ver você como as redes sociais te pintavam. Eu conheci a criança destituída do poder familiar da mãe, impedido de ser adotado como os outros quatro irmãos. Você só queria voltar a ser filho da sua mãe, que é esquizofrênica e não tinha condições de cuidado. Sua avó, também com transtornos mentais. Mas a sociedade, sem conhecer sua história, preferiu te jogar na jaula dos leões", completou Verônica.
Luta por tratamento e "revolta"
Ainda segundo Verônica, em vídeo publicado nas redes sociais, Gerson precisava de tratamento, que não foi oferecido. Ele chegou a passar por vários acolhimentos institucionais da cidade, mas, segundo a conselheira, era rotulado apenas como alguém com "problemas comportamentais.
"Nós não vamos nos calar. O Conselho Tutelar de Mangabeira não vai se calar. Nós lutamos muito tentando garantir os direitos de Gerson. O meu sentimento hoje é de revolta. É de revolta porque eu nunca me calei diante dos absurdos de violações de direito que este cidadão, que amanhã vai ser sepultado, sofreu", disse.
"Ele era para estar em tratamento, não estava. Ele não precisava estar atrás das grades. Ele precisava estar num tratamento", completou.
Como aconteceu
O ataque aconteceu enquanto o zoológico estava aberto ao público e foi registrado em vídeos por visitantes. Gerson escalou uma parede de mais de 6 metros, ultrapassou grades reforçadas, usou uma árvore como apoio e conseguiu entrar na área restrita à leoa. Instantes depois, foi atacado.
Vídeos que circulam na internet feitos por visitantes do local mostram o homem subindo a estrutura lateral da jaula antes de acessar o recinto. Equipes de resgate foram acionadas rapidamente, mas ele não resistiu aos ferimentos.
Leoa passa bem
Por meio de nota, a direção do parque informou que a leoa não será sacrificada. O animal, chamado de "Leona", passa bem, segue em observação e acompanhamento contínuo por ter passado por um "nível elevado de estresse".
"É importante reforçar que em nenhum momento foi considerada a possibilidade de eutanásia. A Leona está saudável, não apresenta comportamento agressivo fora do contexto do ocorrido e não será sacrificada. O protocolo em situações como essa prevê exatamente o que está sendo feito: monitoramento, avaliação comportamental e cuidados especializados", destacou o parque em nota.
Médicos veterinários, tratatores e técnicos estão dedicados ao bem-estar da leoa para garantir que ela "fique bem, se estabilize emocionalmente e retome sua rotina com segurança". O parque ainda destacou que o animal não apresenta comportamento agressivo.
Investigação
O parque foi fechado logo após o incidente. A Polícia Civil e a perícia criminal analisam como o homem conseguiu superar todas as barreiras de segurança.
A Prefeitura de João Pessoa manifestou solidariedade à família e disse colaborar com todas as apurações.

