Natal vai além do cristianismo
Mesmo sendo uma festividade cristã, o sentimento que brota do espírito natalino atravessa as mais diversas vivências religiosas
Considerada uma das datas mais importantes para católicos e evangélicos, o Natal como celebração do nascimento de Jesus é uma festa dos cristãos. A comemoração é marcada por encontros entre familiares e amigos, reunidos em ceias no dia 24, além de ir à igreja para cerimônias religiosas. No entanto, neste período de mudança de ano há crenças que não festejam a data ou realizam ritos de suas próprias tradições, como é o caso do Judaísmo e do Candomblé.
Antes de tudo é importante entender como surgiu o Natal. De acordo com o professor da Unicap e coordenador do Observatório das Religiões no Recife, Gilbraz Aragão, em suas origens, o cristianismo era uma seita de gente pobre e ninguém escreveu sobre o nascimento do seu fundador.
"Somente a partir do século IV, quando foi se tornando religião importante, os cristãos aproveitaram as Saturnais para celebrar o aniversário de Jesus. Era a festa do solstício de inverno (que ocorre entre nós em junho e, em Roma, agora em dezembro), quando o povo se anima com a fartura trazida pelo encontro do inverno com o sol. Assim, transformaram o carnaval religioso pagão do deus-sol na celebração do nascimento de Cristo, tido como 'luz do mundo', explica.
Leia também
• Cuidados para evitar Covid-19 devem permanecer durante a ceia de Natal
• Vida Veg disponibiliza Guia de Receitas Natalinas gratuito
• Vai presentear alguém? Saiba seus direitos ao realizar a compra natalina
Criados em lares evangélicos, o casal Estéfane Hermano, 26, e Raphael Andrade, 30, vê o Natal como um momento de agradecimento e reunião com a família. Para eles a principal mensagem desta época continua sendo a de que o filho de Deus veio ao mundo para salvar todo pecador e dar nova vida.
"O nascimento de Jesus traz vários significados para os cristãos. Um deles que me chama muito atenção é a simplicidade. Deus poderia ter feito que seu filho nascesse de uma mulher riquíssima, em berço de ouro, mas ele veio de uma maneira muito simples, em uma manjedoura, rodeado de animais", comenta Estéfane.
Católico, o estudante de arquitetura Matheus Felipe, 22, afirma que o Natal se mostra como a expressão do amor de Deus na sua plenitude. "É quando a esperança brota em meio ao sofrimento. Ao rezar a novena de Natal a gente vê que o enfoque na vida de Jesus mostra muito o sofrimento humano. Isso faz valorizar ainda mais a vida do Cristo que veio pregar a fé, a caridade e a esperança", comenta. Para o jovem, a data vem para lembrá-lo do propósito para o qual foi chamado, o da santidade. "Mais do que as promessas terrenas, Jesus veio para dar uma promessa eterna que é a do céu", disse.
O casal Estéfane Hermano, 26, e Raphael Andrade, 30, vê o Natal como um momento de agradecimento e reunião com a família.Apesar de considerar Jesus um profeta, Judaísmo e Islamismo não o enxergam com a centralidade dada pelo cristianismo. Nesta época do ano, os judeus celebram o Chanucá ou Hanukkah, também conhecido como o Festival das Luzes. A data marca a vitória do povo judeu sobre os gregos, conquistada há dois mil anos em uma batalha pela liberdade para seguir sua fé (quando velas foram acesas para purificar o Templo de Jerusalém). São oito dias de celebração e a cada noite é acesa uma vela de um candelabro especial, o menorah. Entre as famílias, o costume é brincar com um peão que tem gravadas letras hebraicas, e as crianças são presenteadas com dinheiro.
O professor de história e cultura judaica Jáder Tachlitsky explica que existe a coincidência de o Hanukkah acontecer próximo ao Natal. "Como o calendário judaico é lunar e distinto do gregoriano, que é solar, o ano judaico é menor do que o normal. Então, a cada ano que passa a data da festividade vai se modificando. Tanto que depois de três anos o nosso calendário acrescenta um 13º mês que compatibiliza o calendário lunar com o solar. Por isto, em alguns anos o Hanukkah se distancia um pouco do Natal, como em 2020 que foi entre os dias 10 e 18 de dezembro, mas em outros coincidem e caem na mesma época", explica.
Religião genuinamente brasileira, a Umbanda associa Cristo a Oxalá, considerado o maior de todos os orixás. No dia 25 de dezembro os umbandistas agradecem à entidade que, segundo sua crença, comanda todas as forças da natureza. Já no Candomblé, outra religião de matriz africana, não se comemora a data. Segundo Mãe Valda de Pirapama, yalorixá do Ilê Asé sango ayra Ibona, no período de transição de um ano e outro cortam-se frutas para oferecer a Oxossi e pedir que o novo ciclo seja de paz. "Oxossi é o rei da nossa nação, então a gente aproveita o fim do ano e o começo do outro para cobrir toda a casa de frutas, pedindo para que no próximo ano nunca nos falte o pão", acrescenta Mãe Valda.
O coordenador do Observatório das Religiões no Recife explica que para o budismo Jesus é um bodisatva, um ser elevado que ama a humanidade e faz sacrifícios por ela. No entanto, ainda segundo Gilbraz Aragão, a data mais importante para os budistas é o Visakha Bucha, na qual se comemora com luzes e fé o nascimento, iluminação e morte de Buda. Geralmente, a festa acontece em maio, em dia de lua cheia do sexto mês lunar. Conforme o especialista, para o espiritismo, Jesus é o espírito mais perfeito que Deus enviou, para guiar a humanidade. "Os espíritas celebram o seu nascimento em família, de forma singela e discreta", disse professor.
Para o coordenador do Observatório das Religiões no Recife, Natal é tempo de reencontrar a humanidade do Deus cristão. "Seja como for, em um país de maioria cristã que nem o nosso, a festa do nascimento de Jesus contagia espiritualmente todo mundo. E o evangelho do Natal nos chama a refazer a busca dos pastores e ser testemunhas de uma presença libertadora nas manjedouras da história: o divino verdadeiro está nascendo ali naquele beco do Pina, naquela prisão feminina do 'Bom Pastor', num Terreiro de Xangô de Olinda, no mocambo de uma Severina que fugiu da seca pelo Capibaribe", disse Gilbraz Aragão.
Podcast FolhaPE: o especialista em religião, Anderson Macena, fala do legado de Jesus para a Humanidade

