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Operação 'Teia de Aranha': o que se sabe sobre o mega-ataque a drone da Ucrânia na Rússia

Sucesso operacional da ação ucraniana também guarda mensagens importantes para a Rússia e a Otan sobre as capacidades de Kiev

Imagem retirada de um vídeo divulgado pelos serviços secretos ucranianos mostra o que eles dizem ser várias aeronaves em chamas na base aérea de Belaya, no leste da Sibéria, a mais de 4 mil km da Ucrânia Imagem retirada de um vídeo divulgado pelos serviços secretos ucranianos mostra o que eles dizem ser várias aeronaves em chamas na base aérea de Belaya, no leste da Sibéria, a mais de 4 mil km da Ucrânia  - Foto: Serviço de Segurança da Ucrâni / AFP

Em uma operação que envolveu a infiltração de agentes no território russo, a acomodação de drones além das linhas inimigas e uma ofensiva conduzida remotamente, a Ucrânia realizou seu maior ataque aéreo contra posições dentro da Rússia no domingo, em uma ação que gerou prejuízos bilionários a Moscou, sobretudo na Força Aérea russa.

A organização, o impacto e a extensão dos ataques — ainda que os números oficiais sejam divergentes entre fontes ucranianas e russas — foram um sucesso do ponto de vista operacional, mas também guardaram mensagens importantes para a Rússia e a Otan sobre as capacidades de Kiev após três anos de guerra.

— A maior implicação deste é que a Ucrânia demonstrou que tem a habilidade de organizar ataques complexos e sofisticados dentro da Rússia — avaliou Peter Dickinson, editor do serviço UkraineAlert do think-tank americano Atlantic Council em entrevista ao Globo.



— Agora, os russos terão que tomar precauções e medidas de segurança sérias por todo o país.

O que se sabe sobre o ataque?
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, anunciou no domingo que os serviços de segurança do país lançaram um ataque bem-sucedido dentro do território russo, "mirando apenas alvos militares" e "especificamente equipamento usado para bombardear a Ucrânia". O Ministério da Defesa da Rússia confirmou que drones ucranianos atacaram cinco bases aéreas nas regiões de Murmansk, Irkutsk, Ivanov, Riazan e Amur, classificando-os como "terroristas".

Ainda de acordo com Zelensky, o ataque foi resultado de uma operação que levou um ano e meio para ser preparada, com agentes ucranianos se infiltrando no território russo para posicionar os drones em profundidade — alguns dos alvos estavam no oeste do país, a mais de 4,5 mil km da fronteira. Um total de 117 drones teriam sido utilizados, segundo o presidente, destruindo 34% dos bombardeios com capacidade de disparar mísseis de cruzeiro nas bases atacadas.

Fontes do SBU, o serviço secreto ucraniano, citados em anonimato pela imprensa do país, afirmaram que os drones foram transportados para dentro do território russo em caminhões com carregamentos de chalés de madeira pré-fabricados. Os compartimentos foram abertos remotamente, assim como os drones foram ativados, e o ataque foi lançado.

Qual o impacto do ataque para a Rússia?
Fontes ucranianas se apressaram em afirmar que o ataque havia causado um prejuízo bilionário a Moscou, estimado em US$ 7 bilhões (R$ 40 bilhões), sobretudo por ter abatido ou danificado várias dezenas de aviões militares russos em solo, incluindo bombardeiros Tu-95 e Tu-22. Imagens que circularam nas redes sociais após o ataque mostram algumas aeronaves em chamas em seus hangares. Em uma mensagem nas redes sociais, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia indicou que 40 aeronaves teriam sido destruídas ou danificadas.

Embora tenham classificado o ataque como um "dia sombrio" para a Força Aérea do país, blogueiros militares russos apontaram que o dano real do ataque teria sido menor. O influente blog Rybar noticiou que 13 aeronaves, incluindo 12 bombardeiros estratégicos, teriam sido danificados. O Fighterbomber, que se acredita ser dirigido pelo capitão do Exército russo Ilya Tumanov, afirmou em uma publicação nesta segunda-feira que apenas "um punhado" de aeronaves estratégicas foram atingidas, mas que mesmo tal perda foi "enorme para um país que não as fabrica".

Um efeito mais amplo do ataque pode ser ainda mais custoso para Moscou do que a perda dos aviões. Com a demonstração da Ucrânia de que pode atacar o território russo em sua amplitude, o Kremlin terá que reforçar — ou pelo menos revisar — todos os seus protocolos de defesa interna, algo que pode ter um custo financeiro alto para o maior país em área territorial do mundo.

— Os ataques aconteceram quase simultaneamente em quatro locais diferentes dentro da Rússia, até nas profundezas da Sibéria. Agora, não há como saber se a Ucrânia tem mais ataques planejados ou se tem mais operativos dentro da Rússia. Mas está claro que a Ucrânia tem essa capacidade. Os russos terão que adotar precauções de segurança muito sérias em todo o território russo — afirmou Dickinson.

— Eles vão ter que mudar completamente sua abordagem de segurança interna, implementar novos protocolos de segurança em todas as suas bases aéreas, militares, indústrias e fábricas . Isso muda a situação de segurança, e eles vão ter que gastar muito mais recursos para proteger o país inteiro.

Qual o impacto para a Ucrânia?
O primeiro ganho para a Ucrânia é a destruição de uma parte do arsenal russo que poderia ser usado potencialmente para bombardeá-la a qualquer momento, como usualmente já vem acontecendo — a Rússia lançou o maior ataque com drones e mísseis contra o país no fim de semana. Segundo os especialistas, parte do arsenal diretamente afetado muito dificilmente poderá ser recuperado, por se tratarem de aeronaves do período soviético, sem fábricas que os produzem atualmente.

— Se a Rússia não pode substitui-los, isso significa que terá menos bombardeiros, que eles usam de forma muito ativa para lançar mísseis de cruzeiro contra a Ucrânia. Isso, de alguma forma, vai afetar a capacidade deles — explicou o analista do Atlantic Council.

Para além do ganho imediato, uma implicação da operação também é o fortalecimento da imagem da Ucrânia enquanto um país capaz de travar a guerra contra a Rússia, fazendo-a pagar pelos danos causados ao território ucraniano — uma abordagem que pareceu perder força com o retorno do presidente americano, Donald Trump, à Casa Branca, que chegou a afirmar que os ucranianos deveriam aceitar um acordo o mais rápido possível, mesmo perdendo terras, sob risco de não ter mais um país.

— É um recado para o Ocidente, no sentido de que mostra que a Ucrânia é um país muito capaz, pronto e disposto. Que tem ousadia, criatividade, habilidades e capacidades físicas e humanas para realizar ataques altamente sofisticados — disse Dickinson.

Nova era de segurança
A operação ucraniana, que muitos analistas ouvidos pela imprensa internacional compararam à destruição de parte da frota russa no Mar Negro, chamou atenção não apenas pelas danos causados ou pela maneira furtiva que ocorreu. O baixo custo da operação, em comparação ao prejuízo provocado, é um fator que muda um dos pilares sobre a guerra moderna.

— Envia uma mensagem ao mundo inteiro, não apenas aos parceiros da Ucrânia, de que entramos numa nova era da segurança, em que inimigos ou agentes hostis podem entrar em seu país e lançar ataques com recursos muito limitados. Esse ataque da Ucrânia levou cerca de 18 meses para ser coordenado, mas não custou caro. Os drones envolvidos custaram, talvez, menos de US$ 100 mil no total — explicou Dickinson.

— Então, realisticamente, isso abre uma porta, porque outros agentes poderiam fazer o mesmo. Acho que todos os países vão ter que tirar lições, e isso terá impacto na segurança de aeroportos, grandes infraestruturas, bases militares e assim por diante. (Com NYT)

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