Sex, 19 de Dezembro

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Opinião

A solidão rodeada de pessoas

Em eventos sociais e até acadêmicos, sinto que o telefone celular se tornou mais importante que o anfitrião da festa, do amigo que carinhosamente preparou um jantar em sua homenagem e do encontro romântico do casal. Reconheço ser essa invenção, uma das mais celebradas do mundo, mas, lamento que tenha se tornado um objeto de "dependência emocional".
Então, existe a olimpíada que os jovens enfrentam para ganhar a medalha de ouro para os que adquirirem o último modelo, antes dos demais. O uso dos celulares, não proporciona apenas benefícios e facilidades. Em alguns casos, o abuso pode gerar transtornos e sérias dificuldades pessoais e sociais. Embora exista uma certa "ética comum" quanto ao uso do instrumento, que, como dizem os ingleses, “unwriten rules,” deveria haver o "bom senso".
Por exemplo, é recomendável, em determinados locais públicos, desligar os celulares ou, na pior das hipóteses, deixá-los no modo silencioso, para que os demais presentes não sejam incomodados. É socialmente esperado que pessoas de todas as idades ajam desta forma. Mas, infelizmente, estamos vivenciando o contrário. Existe a necessidade de repensarmos o papel do professor, da família e da "autoridade educativa", no que se refere ao processo de estabelecer algumas regras explícitas, construtivas, que tem que ser discutidas.
A questão não é localizada, é globalmente preocupante, mesmo com diferenças culturais e socioeconômicas distintas. Preocupa educadores, diretores de escola e familiares, indicando que esse problema precisa ser discutido, entre nós, em âmbito nacional, considerando não apenas a eficiência na educação, como também a educação, os afetos, o indivíduo. As escolas brasileiras precisam reavaliar, urgentemente, os métodos dos quais se vale para limitar e conscientizar a comunidade escolar acerca do uso adequado da tecnologia por parte de alunos e educadores.
Como podemos nos inserir na sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo, perceber que o ser social que pretendemos formar, nas escolas, está se deteriorando? Teremos equilíbrio suficiente para transformar uma tecnologia de uso individual em um instrumento educativo com serventias para a sociedade? O ideal seria podermos utilizar essas novas tecnologias em sala de aula como ferramentas educativas úteis ao processo de aprendizagem, sempre sob orientação  do professor. Compreendemos que para os jovens, os celulares possuem alto poder de atração, muitíssimas vezes, maior que o da aula arduamente planejada pelo professor.
Temos, como educadores, núcleo familiar, cidadãos, de forma equilibrada, aprofundar esse tema para nos aliarmos ao problema posto, e dele tirar vantagens educativas. De que forma, não tenho certeza. Sei pensar por si mesmos, mas, sobre essa questão, preciso ouvir mais, discutir mais, aprender o que não sei ainda. O que pode surtir efeito mais efetivo é criar estratégias que possam conscientizar os alunos e suas famílias, de modo a tornar o uso do celular algo pedagogicamente útil, socialmente relevante e trazer de volta a energia e o prazer de tocar a pele, dar um abraço, chorar e ouvir soluços.  Ouvir e falar de perto, ler e ouvir o que os mais sábios têm a dizer.
Não se trata apenas de passar páginas eletrônicas, pontuar meia frase e se sentir dono de toda a sabedoria do mundo. Talvez seja prudente e aceitável que haja algumas restrições sensatas ao uso do celular nas escolas, instituídas democraticamente, para propiciar um ambiente pedagógico adequado, capaz de atenuar um pouco o ritmo frenético que pode levar à "dependência digital". De qualquer forma, em vez de resistir ao uso, amplamente popularizado entre alunos e professores, talvez seja melhor pensarmos como fazer do celular um recurso pedagógico, na condição de elemento de trabalho educacional, mediante a criação de projetos que o incluem como ferramenta de pesquisa e produção, que melhorem a qualidade de ensino. 
Presenciei a primeira experiência da utilização do  metaverso como instrumento educacional há 10 anos, em uma visita à Universidade Texas A &M, quando a ferramenta “Second Life” era utilizada no curso de pedagogia. Agora, passada uma década, pergunto: como impedir que a dependência emocional desse instrumento volte a ser o afeto, a família e o apreço aos amigos de carne e osso?
 

*Ex Reitor da UPE, Gestor da Faculdade de Odontologia de Pernambuco da UPE e Professor
**Professora Titular, Universidade de Pernambuco
 

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